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terça-feira, junho 29, 2004

A poça que fica da água não tomada é como a saliva que sobra de um beijo, espera ser engolida um dia. A tristeza da evaporação está na falta que a lágrima faz em um rosto.

A felicidade está no poder de não perceber o que ficou incompleto.

segunda-feira, junho 28, 2004

Entrevista com Carpinejar

Hoje é um dia muito especial para o Blues Curitibano. Acho que vocês imaginam por que. Fabrício Carpinejar, um dos maiores poetas da sua geração, concedeu essa entrevista para vocês. Sem mais delongas, vamos ao que interessa.

O que a poesia representa na sua vida? Você escreve sobre a sua vida, sobre o mundo, sobre os objetos à sua volta, sobre tudo isto, enfim, sobre o que a sua poética fala?

Minha poesia fala das distrações, das observações desatentas, dos ruídos que são uma espécie de voz. O poema é como um rádio entre duas estações. Parece apenas barulho, mas na verdade é uma outra sintonia. É necessário apenas se aproximar, duvidar que somos a realidade, somos a tentativa da realidade. Minha boca tem os músculos do ouvido.

O que você tem a dizer a respeito da sua forma poética? Ela estaria na contramão da forma com a qual a maioria dos escritores está escrevendo?

Há um autor francês, Gautier, que dizia que a forma poética não pode ser um sapato frouxo, que serve para todo pé. Não me preocupo com a forma, mas com o que a faz caminhar. O que faz a forma caminhar é o pulmão. Procuro o rigor da espontaneidade. Penso em meus poemas como conversas derradeiras, fluviais, feitas com a mesma coerência secreta de alguém que conta segredos. Poema se respira mais do que se lê. É oxigênio para o leitor não reduzir sua memória ao que viveu, porém ao que aconteceu em sua imaginação.

No seu último livro “cinco marias” senti em algumas das poesias ali apresentadas, uma forte influência do pensamento heideggeriano. Fale um pouco da influência que você tem da filosofia e o que ela representa na sua poesia e na sua vida.

Poema é feito para incomodar, inquietar, desacomodar lugares-comuns. É agilidade que só a comoção pode incutir. Eu fui criado para pensar o avesso, a filosofia do trivial. Morei grande parte de minha vida ao lado de um terreno baldio. Sabia pela visita das aves o que havia acontecido no local. Não adianta somente fazer enxergar a música no poema, cabe fazer pensar o desejo. Eu habito a linguagem como quem não aprendeu a falar. Minha ignorância é abençoada. Duvido até do meu nascimento.

Qual sua opinião sobre a literatura feita hoje no Brasil?

O Brasil tem que se salvar do Brasil. Não se preocupar em produzir uma literatura brasileira, mas fazer literatura apenas, para ser lida em qualquer idioma, em qualquer tempo.

Você diariamente escreve no blog que há no seu site. Gostaria que você falasse a respeito desta forma de apresentação de textos. Como é escrever no blog e como é escrever para uma publicação editorial? Para você, qual é a importância dos comentários que são feitos no seu blog?

Eu escrevo no blog mais para ler o leitor do que a mim mesmo (risos). Acho que há toda uma narrativa feita no espaço dos comentários, mostrando que não há recepção passiva. Toda palavra já é intervenção, interferência, fome. Utilizo aquele espaço para não o utilizar. Não é um fim, mas um destino. Apresento crônicas, poemas em prosa, confundo o que vi e imaginei para não me aposentar em juízos. Há ali várias séries: minha infância não atravessa a rua sozinha ou o homem não é o mesmo, mesmo que se repita. A internet permite o convívio, o medo alegre do desconhecido.

O que é uma boa poesia, na sua ótica?

Boa poesia é aquele texto que a gente nem repara que foi escrito, parece que apenas pensamos em voz alta. É conciliar imagem, música e idéias. Quanto mais invisível o poeta, melhor o poema.

No seu blog há um texto a respeito de Curitiba. Como um curitibano chato que sou, gostaria que você falasse a sua opinião sobre a cidade e (não poderia perder a oportunidade) sobre Paulo Leminski.

Leminski é da mesma linha de um Quintana: o poeta que não se leva a sério, porque tem mais coisas para fazer. Ambos encontraram o encanto no desencanto. São autocríticos vaidosos. Adoram se destruir como um elogio. Sobre Curitiba, deixo um texto:

Um careca em Curitiba

Curitiba é cinza. Como um terno azul dobrado. Cidade que muda seu tempo de repente, ficando somente entre a neblina e o nublado. Curitiba é Jamil Snege, mas ele já tinha ido, com seu medo bem antigo de chuva. Não foi avaro, não deixou bilhete de suicida, mas uma estante que nos permite atravessar a velhice sem enganos. Jamil não viveu a velhice para criá-la. Morreu lutando, com sua predileção pelos pálidos, pelos cabides de roupas mal passadas, por aqueles que nasceram em desavença, por aqueles que têm uma única nota para atravessar a imensidão de um dia.

Dos dias da semana, Curitiba é domingo. As mulheres parecem não rir. Não é fácil furtar um riso. Encolhidas, fazem com que o outro seja insignificante perto delas. Elas acertam comigo: eu sou mesmo insignificante. Curitiba é uma cidade inventada para se correr, mas o engarrafamento não deixa. As ruas usam roupas de grávida, largas e diagonais. Os ônibus contam com preferência para abrir as artérias. Paga-se passagem no terminal. Não dá para passar debaixo na roleta ou descer por trás. Isso mata a infância sem querer. As pessoas esquadram o vazio, introvertidas. São funcionais, não perdem atenção com informações desnecessárias. Nada parece ser importante o suficiente para que elas possam sair de casa (ou de si mesmas). Ser caseiro em Curitiba é uma missão. Amigos se encontram se forçados por visita de família distante. Encomendar uma pizza é obrigatório como levar o cachorro para passear. Quem escolhe Curitiba nunca adere de paixão. Não vi nenhum adesivo como "Eu amo Curitiba" nos carros ou em lojas. É um amor discreto, platônico, que não se declara nem sob tortura. Curitibano só começa a ser valorizado se fizer sucesso fora. Morar em Curitiba é ficar a duas quadras das convicções. Não é possível se sentir inteiramente no seu território, nem fora dele. Cidade de autores, não de leitores. Ninguém vai parar um escritor e solicitar um autógrafo, ainda que seja Paulo Coelho. Residir em seus limites é exercitar a invisibilidade. Sinto atração pelas suas dificuldades de relacionamento, mas levaria mais do que minha literatura para investigá-la. A cidade é bonita e fosca quando se atravessa as sinaleiras. Equilibrada, ordenada em excesso, perfeita a ponto do caminhante pensar que ele é o erro. É doce, mas com licor dentro. O rio Belém espia com seus obituários e velhos conhecidos, pouco compreendendo o que aconteceu. Passa receoso de incomodar e reprime suas histórias. Curitiba é uma cidade além de si. Os moradores esnobam obediência ecológica. Não pisam na grama e nas certezas. De acordo com Cristovão Tezza, as obras em Curitiba foram feitas para caber num selinho: Jardim Botânico, Ópera do Arame, Museu Niemeyer. Lerner viciou a fórmula, envolvida em verde, água e estruturas metálicas e de vidro. O modelo é sempre igual, transposto de bairro. Japoneses e chineses aparecem das moitas para fotografar. Nunca encontrei tantos parques arborizados de nuvens. Poucas bicicletas, o hábito é fazer caminhadas e leves corridas. A casa de Dalton Trevisan é cinza como Curitiba. Fechada para dentro. Nunca abre as janelas. Ele mora numa esquina. As corruíras são correias de seus telhados. Anônimas como as pombas. E rápidas.

Agora, como de costume, você deverá fazer uma pergunta ao entrevistador.

Tua poesia é uma forma de agradecer “quem te fez menos feliz”?

Resposta: Minha poesia não agradece a ninguém. Não agradeço escrevendo, mas sim com os músculos do rosto quando estes espremem o que não precisa compor a minha felicidade. A poesia que atualmente escrevo é feita para amanhecer retinas. Isto, para mim, não é uma forma de agradecer alguém, mas sim agradecer o mundo por ele existir e não parar de existir. E existir significa desenhar por cima de um desenho. Quem vive sem poesia, perdeu de desenhar toda a paisagem que o papel esperava conter para não ser mais um. Quem me fez menos feliz, hoje tento não hospedar em mim. Pois não são os que me fizeram assim que querem roncar na minha lembrança, mas o próprio passado configurado em boca e verbo que tenta me encher até me explodir. Tento escrever a partir do que sou agora e não do que eu já fui um dia. Mesmo quando falo do passado, falo através do que sou no exato momento que escrevi. A minha poesia sou eu. Escrevo para mostrar o que sou predestinado a mostrar. Não faz muito tempo, costumava a escrever através das notas de rodapé do meu passado infeliz. Aquilo era para acalmar meu ego. Destilar os desafetos do passado é uma forma de se esconder. Acredito que hoje acontece tanta coisa na minha vida que merece ser assinada, que o meu passado triste perdeu o lugar na fila. Hoje, quando escrevo, penso demais nos leitores. Eu quero que as pessoas amanheçam ao lado da minha poesia. As pessoas nos reconhecem, Fabrício, como um dono reconhece o seu cachorro (há anos perdido na cidade). O nosso olhar está ali, assim como o nosso jeito de chorar. A minha poesia não agradece. A minha poesia obedece ao fluxo que o mundo impôs às pessoas que respeitam o existir de uma forma plena.


sexta-feira, junho 25, 2004

Estrangulo a vaidade se for preciso. Se ela não fala, eu ligo as coisas boas em mim. Assim, dou partida as correntes de ferro da minha circulação e a beijo. A boca é a entrada dos sentidos. A língua, a descarga elétrica das noções. Não cuspo no asfalto em que pisei. Na volta, enfeito o caminho com o conteúdo de uma garrafa de vodka. Depois da nossa noite não precisaria mais beber,

o chão da rua bocejava a procura de um gole de álcool jogado fora.

quarta-feira, junho 23, 2004

Durmo de bruços nos nossos dias. Olho para cama como olhava para o espelho d’água do asfalto. Quando me vejo deitado, quando sei que está sentada relando a mão na minha coxa, quando o céu cair e eu não ficar sabendo, estarei de bruços me submetendo à você. À noite, a vida não foi feita para ficar sabendo de alguma coisa. À noite, a vida foi feita para nos distrair e para não ser de qualquer vida. O sexo nunca foi vida, na noite nada tem vida própria. A noite é uma vida invejosa que suga as outras para sobreviver.

terça-feira, junho 22, 2004

A palavra amor tem a mesma gravidade do arrependimento. Hoje em dia não dá mais para dizer que se ama, assim como não dá mais para dizer que se pegou gripe. O medo de amar está na vontade de se afastar daquilo que é doente. O medo de falar está na velhice mal acabada que se desenvolveu na infância. A boca não dá tréguas ao infeliz que não sabe amar. A boca fecha portas ao mal amado. Nada pode ser pior do que não escutar a voz da pessoa que se ama. É na cor do tom da voz que se sabe quando se mente ou não. Desconhecer a realidade é ser um analfabeto das imagens do mundo. Não admitir que se é amado é perseguir a si mesmo num mundo analfabeto. Não amar é ser um analfabeto em sentir tudo.

segunda-feira, junho 21, 2004

Depois do almoço

É preciso escrever em todas as folhas da paisagem. Sujar o espaço com o tempo e com o verbo. Apagar com letras as cores dos conteúdos. É preciso tomar a água do seu fruto. Engolir a seco cada pedaço de imagem. Dormir em cima de tudo, encaixar a cabeça sobre o que já nasceu. É preciso morrer no próximo minuto e tornar célebre o momento da palavra. É preciso esquecer as horas e desenhar o percurso da velhice. Amar as suas marcas, entender o grito da pele. É preciso deitar depois do almoço e fazer a digestão do mundo através de um filtro de sonhos.

sexta-feira, junho 18, 2004

tempestade em copo d'água

Você some como some o azul da água ao tirar o copo da foto. A realidade úmida do molhado não tem cor. Por isto, aqui na chuva, fecho os olhos para ver suas cores. Quando acaricio o tapete da minha pele um caminho de tempo rasga o pavio da noite. Hoje acendi o cigarro com o sopro de um estalo de nuvens.

quinta-feira, junho 17, 2004

gripe

Media com os olhos as coisas do mundo, hoje meço com o sabor. Com o meio-amargo das palpitações dos músculos de sentir. Eu encontrei uma janela aberta na noite quando olhei sua boca. E fechava a veneziana olhando suas pálpebras serrarem. Cavava buracos no seu ego. Escondia minha força de guindaste ali, no amontoado de barro dos seus sonhos. Erguia, pedaço a pedaço, cada lado da minha vontade. Quando aprendi a dizer “eu te amo”, tive a idéia de suicídio. Quando aprendi a entrar em você, tive a idéia de só matar uma parte de mim. Só a carne minha que era você valia a pena. E como podar as ilusões em noites de outono? É como esperar o inverno na frente do papel. É como chorar em silêncio a trilha do último momento. É como filmar o seu rosto e apagar a fita
na esperança de um único segundo ao vivo.

segunda-feira, junho 14, 2004

ronco

Como se diz deus na sua língua? Hoje lembrei de você ajoelhado no quarto, procurando bugigangas debaixo da cama. Você me ouvia atrás da porta? Hoje ouvi você ao me ouvir. Cantei a pulsação dos seus passos ao me espionar. Hoje dormi em paz mesmo sabendo que você não me olhava roncar a nossa última noite.

sexta-feira, junho 11, 2004

boca de pedra

Meu passeio é feito à formação de rochas, quando definham as ondas de mármore das praças. Casas feitas de pedra, móveis de pedra, comida de pedra. Instalações de flocos de pedra desabam beijos de espinho na minha pele. Línguas urgem lamber minha saliva, fazer do meu suor, pedra. As garrafas jorram líquidos-pedra no meu esôfago. O estômago brevemente apedreja a minha vontade por engolir mais pedras. A epiderme do espírito descasca pedras, meu nariz respira pedra. Quando morrer, o meu ar terá a mesma textura de um passeio movido a pedra.

E se voltasse, a morte faria de pedra o coração
que ao invés do mármore do dia seguinte
pulsava o barro da idade do início.

quarta-feira, junho 09, 2004

Quando choro por nada

O choro de Curitiba é vermelho, meu sangue é vermelho. Quando Curitiba pára, eu paro. Quando Curitiba corre, eu corro. Quando Curitiba dorme, eu durmo. O choro de Curitiba não escorre na pele, raspa no colo. Quando Curitiba sofre, eu sofro. Quando Curitiba chora, eu choro
como ninguém.

acordo e Curitiba espera no tubo a canaleta escorrer vermelha.

terça-feira, junho 08, 2004

Bocejos

Limpo a lama dos sapatos, abro a pálpebra para o caminho da janela. Tranco os dedos entre cigarros, minha lima é a fumaça. Corro para bater na sua porta, quem abre é a solidão. Durmo depois deste dia inteiro vestindo a sola dos pés, à noite aprisiono o olhar, as mãos e as pernas.

Ao dormir, fumo a alma como quem cospe fogo bocejando.

segunda-feira, junho 07, 2004

Carne vermelha

As partes da minha vida, os pedaços do seu corpo. O som da avenida, o seu tchau sussurrado. A minha decepção com a vida, seus olhos se fechando aos sábados. Nas costas desta terra construída a unha e pele, demorei meu corpo em sua função, em seu soluço de arrependimento. Minhas vísceras ultrapassaram os órgãos restantes. Nestas poças de ilusão mastiguei primeiro o surdo da sua mão. O ronco da sua boca. Os filetes dos seus cabelos. Engoli todo o ar que lhe fazia melhor. Fiz minha a sua respiração.

Hoje, pintei as paredes de vermelho e compreendi o ritmo esnobe da sua circulação.

domingo, junho 06, 2004

da série "num quarto de hotel"

Quando acordo não bocejo,
engulo o sono que as mãos amarelas da manhã
me enfiavam goela abaixo.
Poesia do dia

sem ti

E de súbito desaba o silêncio.
É um silêncio sem ti,
sem álamos,
sem luas.

Só nas minhas mãos
oiço a música das tuas.

Eugénio de Andrade

sexta-feira, junho 04, 2004

tempo

Seguia os caminhos desenhados pela íris, eles me levavam a retina e me enterravam. O que eu aprendi te olhando foi isto, me esconder dentro do meu casco. O poder das folhas levadas pelo vento, a minha impotência em ir embora no momento errado. O meu caminho nunca foi bem iluminado, a chuva caía oblíqua, espelhava a noite na cara da forma como a noite esperava ser espelhada. A noite gosta de escorrer nos corpos. A chuva a ajuda. Obrigava os cabelos às considerações de tuas mãos. Entregava-me ao teu ventre. A minha idade era alterada a cada minuto. Eram bons os tempos em que o tempo se entregava ao espaço.

quinta-feira, junho 03, 2004

Lembram?

Eu lembro. Uma mulata de piercing na língua me abraçava com o sorriso. Um olhar admirado me acompanhava olhando a tudo também. “Como são lindas aquelas gurias, como tudo aqui é maravilhoso. Queria que isto continuasse estático no tempo e queria você, aqui do meu lado, para atestar a minha presença”. Será este o pensamento dele? Quem diria o meu grande amigo hoje estar trabalhando num banco. Mas aquelas gurias não estavam interessadas na gente, que bom! Aquelas gurias treinavam, a todo trago, uma paixão pelo palco, pelo foco, pelo prazer de estarem apaixonadas pelo palco. Eu lembro. Aquele cantor arrogante que no fundo todos gostavam, fazendo graça com o fato de todos o acharem arrogante. Que se dane, nenhuma delas casou com o arrogante. Migraram para um outro palco, este mais democrático, dividido em três. Como eu as adorava e ainda adoro. A cerveja descia sempre depois de um movimento ousado. E elas abusavam dos corpos, dos rascunhos de poesia. Sempre sorrindo, não havia motivo para chorar ao lado do palco. Eu lembro também de outros palcos. As prostitutas que conversei e que depois, como quem comete um delito, comi. Lembro-me de como me acostumei com o descaso. Começava a amar todos os bares e ficar indiferente às pessoas, ao conteúdo daqueles ambientes. Mesmo assim, tocava, escrevia, não tinha medo de mostrar que eu tentava acompanhar aqueles que eu admirava. Um polaco tocava guitarra de uma forma corcunda. As notas saiam corcundas e, tímidas, nos tocavam o canal lacrimal quando menos se esperava. Um rapaz de boca grande cantava fados como quem cantava sambas. Sua cara entrava em todas as caras do ambiente. Seu rosto era agora de todos. As pessoas se abraçavam normalmente, como se abraça o travesseiro antes de dormir. Um bar verde me encantou, (antes de descobrir que aquele bar só existia mesmo na primeira vez que se entrava) foi a primeira saída com o indivíduo da fila de espera. Tudo escurecia na época, até minha fala obscureceu meus gestos, minha altivez. Lembro-me da minha mágoa de quando eu era desprezado, meus pensamentos doíam, minha expressão caçoava de mim, meus sonhos procuravam abrigo no meu ventre. Lembro-me de quando não recebia atenção. Hoje ainda não consigo entender as pessoas (aquelas conhecidas figuras) que não davam bola para o meu papo. E parece que quando eu não dou bola para alguém, estou revisitando uma cidade. Lembro-me de como eu comecei a gostar ainda mais da mulher. Cada pedaço de pele, um semestre de aula. Eu lembro de uma guria, que não chegava a ser gorda (mas tava quase lá), me fazer de otário por dias, meses e de como sofria ainda mais para escrever, ainda lembro daquele rosto para escrever e de como seria se...A casca era mais rígida. Eu precisava menos do cigarro. Hoje, preciso mais da bebida. Eu lembro de um indivíduo polido me pedir parceria, como quem pede licença na fila do teatro. Lembro desta pessoa se preparar em todas as ocasiões. A vida para este poeta era importante, pois todos os pedaços da existência exigiam preparação. Acho que se não fosse por este rapaz da fila do teatro eu não estaria escrevendo. Não daria a mínima aos pedaços da vida. Não sentiria nem o gosto da cobertura. Eu lembro de um maluco de olhos fundos gritar “rendam-se terráqueos” e um mameluco de olhos serrados gritar “renda-se França”. Lembro bem do olhar dos dois, pois quando comecei o curso de letras vi tantos outros olhares parecidos. Lembro da minha querida poeta de 20 anos (será verdadeira a idade?) me pedir um beijo, me chamar de amado, mesmo que por brincadeira. Lembro de me sentir importante perto de todos estes daí. São tantos, mas a partir do momento que aquele individuo estranho de braços nos olhos me pediu parceria na fila deste grande teatrão eu percebi: por que não começar a lembrar de todos?

quarta-feira, junho 02, 2004

casa

A lajota quebrada. As pedras polidas. Os cascos vazios. A madeira na sala de espera. A sede do dia seguinte. A saliva seca na língua e as primeiras rugas a construírem casas no olhar. O meu quarto de hospedes nos seus olhos alagam a estrutura das vísceras.
Ontem, a minha espera foi despejada.

terça-feira, junho 01, 2004

Uma noite a dois

Acordei em calda. Em meio à biodiversidade silvestre das cobertas. Seus braços caíram duros ao chão, cordas a espera da amarra. Acordei gelado, seco de suor. Esperava o sol subverter a interface do céu. Coisas perdidas nas calçadas gritavam por um olhar que seja. Eu esperava subverter a interface da sua pele. Abrir a carne com a unha. Montar e desmontar as células do seu corpo.O que de fato me esperava era um sorriso do asfalto me chamando de otário. Voltei pra casa assim, com a roupa subvertida de uísque barato. Você ficou na minha cabeça como fica a fumaça no pulmão canceroso. Os seios me afogaram. A vulva me enjoou o gosto. O fato disto só ter acontecido na minha cabeça, coagulou o funcionamento dos sonhos. Mas hoje é diferente, meu bem. Banhei-me com o ungüento certo, me vinguei do espelho. Hoje, eu trouxe tudo. Juntei dinheiro suficiente e hoje ficaremos juntos.

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