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segunda-feira, maio 31, 2004

Maldade

Há pessoas que choram a maldade pelo o olhar. Deixam transparecer a sua crueza para quem elas querem. Miram suas lágrimas nas pessoas que temem o medo de chorar perto delas. Este, geralmente, é o tipo de pessoa que excessivamente controla o poder como quem pensa controlar um pássaro na gaiola. Há pessoas que almejam ter outras ao alcance das pontas dos dedos. Elas esperam o melhor momento para, sutilmente, esmagar o próximo-alvo com a seguinte desculpa: “como poderia ter visto alguém tão pequeno”. Há pessoas que não valem a pena, usam a fraqueza dos outros em função da sua insaciável vontade de incomodar (é claro, por se sentirem incomodadas a todo momento). Há pessoas que choram, gemem e urram escondidas. Elas não admitem o próprio corpo, o próprio olhar. Sentem pena de quem não sente pena de alguém. Estas pessoas sobrevivem de ilusões, acham que resolverão tudo com tudo do ano: o carro do ano, a roupa do ano, as jóias do ano, o cargo do ano ou, vejam vocês, o ser humano do ano. Há pessoas que sentem uma inveja incontrolável e é justamente destas que eu falo, daquelas que de uma forma ou de outra já é você.

domingo, maio 30, 2004

Pensamento do dia

“Filha de Leda, guardiã de minha casa!
A tua fala se assemelha à minha ausência:
Quiseste-a excessivamente prolongada.
Os elogios, mesmo quando merecidos,
A outros convirá dizê-los, não a nós.
Ainda mais: não quero que me envolvas hoje
Em luxos próprios de mulheres, nem me acolhas
Prostrada e boquiaberta como me apareces
Pois não estas diante de nenhum ser exótico;
Não deves por ressentimento em meu caminho
Ornando-o com tapeçarias suntuosas.
Tais honrarias cabem só a divindades;
Sendo mortal, não vou poder pisar agora
Tapetes requintados sem justos receios.
Deves honrar em mim um homem, não um deus(...)”


Ésquilo in "Agamêmnon"

sexta-feira, maio 28, 2004

entre moléculas

Mordo um pedaço da areia do seu choro. Mastigo o gelo do orvalho do seu corpo. Morro congelado nas suas mãos. O meu sorriso não mudará até o fim da página. O meu sabor não estragará até o fim das ruínas. A minha boca continuará aberta ao seu céu.

quinta-feira, maio 27, 2004

Visões do Paraíso

Hoje publico a entrevista com esta, que na minha opinião, é uma das figuras mais simpáticas da cena musical paranaense: Eugênio Fim. Vocalista e instrumentista da banda Regra4, Eugênio está, atualmente, cursando produção musical da UFPR, sendo que está sempre atualizado com as novidades do universo da música popular. A banda, da qual faz parte, vem obtendo um bom destaque na mídia e é considerada como uma das mais importantes de Curitiba. Confira a entrevista com esta importante figura da nova geração musical curitibana.

Defina o músico e compositor Eugênio Fim.

O músico Eugênio Fim é um cara que está sempre em busca de algo novo e, mesmo não conseguindo, continua, assim exigindo dos outros, sem medo de mostrar para o outro companheiro seus conhecimentos. Ele acha triste quando as pessoas têm medo de repassar seus conhecimentos para o próximo, ou quando acha que assim o próximo roubará suas idéias e etc. Mas o Eugênio acredita que nesse mundo, se ele estiver passando o que ele sabe para as pessoas que estão ao seu lado, o que estiver a sua volta vai melhorar, pois se melhora para o outro conseqüentemente melhora pra mim também, pois a evolução é do meio em que vivemos, juntamente com a pessoal.
Eu amo criar algo, adoro ver que uma letra ou uma melodia pode fazer alguém pensar em algo novo e positivo, busco o novo a todo instante, mesmo às vezes não conseguindo. Depois da composição a parte mais louca de um trabalho musical (que eu adoro) é o arranjo.


Você se considera um compositor curitibano ou brasileiro? Ou seja, a sua identidade é marcada pela brasilidade “standard” que é demonstrada pelos meios de comunicação, ela vem de uma raiz maior ou ela veio das baladas curitibanas? Aproveita e fale para nós sobre as suas influências.

Eu creio que sou um compositor brasileiro-curitibano. Além de influências brasileiras tenho também influências curitibanas sim, pois é o universo que paira a minha volta que me cutuca a todo instante. Acredito em vários trabalhos daqui e que me influenciam sim, ao mesmo tempo sei que sou influenciado e somos todos uns influenciados pelos outros aqui onde estamos. Tento sempre criar algo que não seja só para o Brasil ouvir, sabe como? Influências: Tom Zé, Tom Jobim, Marcos Suzano, Otto, Rubin Stainer, African Music, Drum´n´Bass, literatura, jornais, livros, padaria, açougue, mercado, teatro, cinema e assim vai.

Qual a sua opinião a respeito da arte (tudo – cinema, artes plásticas, teatro, etc) que é feita em Curitiba?

Minha opinião é que cada vez mais é produzido arte em Curitiba. E acredito que primeiro o importante é fazer, depois é que vem a melhora a evolução. É uma busca constante quando se trata de algo artístico. O Paraná é um jovem muito louco em busca da evolução. Sinto que as pessoas vêm se comunicando muito mais do que antes e isso ajuda muito o meio. Sinto também que estamos crescendo cada vez mais. Tanto quanto qualquer outro lugar.

Curitiba figura no cenário nacional da música? Por que sim ou não?

Assim, existem várias bandas e trabalhos daqui de Curitiba trabalhando e divulgando sua arte, que muitos nem imaginam que estes trabalhos são de Curitiba-PR, mas realmente ainda pouca coisa saiu daqui e virou sucesso absoluto na mídia nacional. No entanto existem aqui hoje, mesmo não sendo reconhecidas nacionalmente, várias bandas de respeito e de qualidade nacional – internacional. Claro que como em todo lugar tem coisas medianas, mas isso é em todo lugar. Paraná é uma panela de pipoca que logo logo estoura alguma coisa por ai.

A música, em Curitiba, é estudada, pesquisada ou discutida? Qual é a importância disto para você?

Ela é discutida, acredito. A importância disto é que com a discussão as coisas funcionam e melhoram.

Para você, um músico curitibano pode dar certo fora de Curitiba? Por quê?

Não só músico curitibano, como qualquer outro músico pode dar certo fora do seu ninho, pois em todo lugar tem alguém querendo escutar música. Sendo assim, quem ama fazer isto estará em constante busca do melhor som, da melhor forma de expressar suas emoções e razões em forma de música. Exercitar é o caminho para a qualidade.

Se fosse para você fazer uma música para alguém de Curitiba, para quem você faria e por quê?

Para os loucos latinos americanos que ficam nos sinais fazendo arte.

Como surgem as letras de suas melodias? Fala um pouco sobre o seu processo de composição e se Curitiba influencia este processo de alguma forma.

Geralmente vem primeiro uma melodia ou um ritmo na minha mente. Logo eu tento harmonizar, vou para o meu estúdio caseiro e faço os arranjos. Por último, ponho a letra. Não necessariamente nesta ordem, mas esta é a mais comum, e Curitiba influencia nesse processo.

Os músicos, em Curitiba, são unidos? Isto importa para o bom desenvolvimento da arte musical curitibana?

Acredito que como em todo lugar existem pessoas mais individualistas e pessoas que tem o prazer de compartilhar experiências. Eu acredito em compartilhamento, pois com isto tudo em nossa volta fica mais favorável para as novas conquistas. O compartilhamento favorece Curitiba sim.

Agora você terá que fazer uma pergunta ao entrevistador. Mande ver.

Você gosta do que é feito aqui?

Resposta: Ótima pergunta! Gosto sim, porém com restrições, pois reconheço nos músicos curitibanos um talento latente que, ainda, não foi aproveitado plenamente. Penso, no entanto, que as coisas em Curitiba acontecem de uma forma extremamente lenta, já que a nossa cidade, infelizmente, ainda tem uma atitude provinciana com relação à arte e, por que não, também com relação à cultura. Chega de clientelismo! Falta a gente daqui levar as coisas mais a sério no sentido de produzir um material bom (novo, artístico, diferente) e não só de aparecer por tocar o que da certo fora de Curitiba. A partir do momento em que os músicos se mobilizarem em função dos estudos das nossas raízes e de uma busca de uma identidade cultural curitibana a coisa começará a caminhar, pois desta maneira os artistas começarão a produzir uma arte nossa, curitibana, que não seria criada em lugar algum do Brasil. Desta forma é que eu acho que a coisa poderia dar certo fora de Curitiba, pelo simples fato de ser diferente, de ser arte mesmo. Acho que falta aproveitar a influência da música celta (pouquíssima aproveitada), da música de fronteira, do fado...enfim, sair um pouco do samba, que a gente insiste em copiar exaustivamente. Falta o conservatório de mpb mostrar pro pessoal que a coisa não se resume ao choro. Falta produzir uma música daqui mesmo pra depois misturar, acho que um grupo que começou a fazer um pouco disto foi o Fato, com o lance do Fandango de Valadares, mas é preciso uma mobilização maior para a coisa explodir mesmo.

Agora você pode falar o quiser, o quiser mesmo. Manda bala.

Então, obrigado França. Valeu e é o seguinte, gostaria que quem estivesse lendo (principalmente artistas daqui) esta entrevista saiba que um lugar só evolui quando nós fazemos algo para melhorá-lo. Não melhora do nada. Por isso em vez de ficar falando mal da cena Curitibana, em vez de reclamar, façamos algo realmente. Pontos positivos e negativos têm em todo lugar, pode crer, não adianta muito reclamar que há uma desunião e BLA,BLÀ, BLÁ >>>>>UNA-SE VOCÊ!! FAÇA VC MESMO AGORA!JÁ!
UM ABRAÇÂO A TODOS
EUGENIO FIM

quarta-feira, maio 26, 2004

Beijo de batom

É quando ausente que me estabelecia nas camadas de cal daquelas paredes. Foi quando eu entrava sem ser visto. Sabia que eu estava lá? Poderia me ver do seu quarto. Ver-me triste no meu sorriso egoísta. Pena você não estar lá para ver.
Borrei o chão que você pisou de vermelho.

terça-feira, maio 25, 2004

Leiam isso. Trata-se de um dos grandes poetas brasileiros.

O poeta que não se esconde. Assim mostra-se carpinejar neste texto que me tocou, não só pela precisão de estilo, mas também pela pureza e crueza das imagens poéticas. É, Luiz Felipe, como dizia você mesmo, "não adianta, o poeta tem de passar por uma "prova" para ser um bom poeta". Taí o grande exemplo.

A VIDA É CURTA DEMAIS PARA NÃO SER GENEROSA

Sofri bastante com as brincadeiras, mudava de rua ou do caminho da escola para não atravessar o corredor polonês ou ser ofendido na frente de quem eu gostava. Mudava de apelido com a mesma facilidade que migrava de campo de futebol. Eu nunca me importei de ser ofendido, eu me importava com o sofrimento de quem me amava e estava junto. Eu me envergonhava pelos outros em mim. Tantas vezes fiquei isolado em minha cadeira, esperando o sinal para escapar de qualquer gozação. Ainda corro com a respiração quando escuto um sino. Essa vulnerabilidade, desproteção, me antecipava aos que eram deslocados por um detalhe físico, um desajuste social, uma diferença. Eu me sentia responsável por aqueles que se calavam. É como se minha mãe dissesse na minha consciência antes de ir para o trabalho: 'cuida bem de teus irmãos menores'. Escrever é não calar as mãos. É proteger o fogo como quem tapa um filho com o próprio corpo.

Fabrício Carpinejar


Quando

Quando estoura a última corda e o dedo sangra o ponto final. Quando a eletricidade toma nota de suas tenções e a cabeça padece sustentada por fios. Quando a banda arranca um soco e a torcida engole a faísca. Quando Curitiba some nos vãos de um piso de madeira velho. Quando a carcaça apodrece e o orgulho pede carona. Quando uso sufixos para explicar minha derrota. Quando surge um sinal na frente da contramão. Quando sujo a camisa de barro nas costas de um irmão. Quando soluço o estrago do verbo de um romance inacabado. Quando mastigo a banguela da gengiva do adjetivo gasto. Quando suado encontro a solução num banho de inverno.
Quando não tranco a porta e espero um dia entrar.

segunda-feira, maio 24, 2004

Sair
A tela do computador é uma mãe, abraça-nos com o olho. E o que mais importa depois das três senão satisfazer o corpo com o resto dos nossos fluídos, enxaguar o ventre com poesia. Quando a madrugada acorda, nada de pardais, só a tela do computador ao nosso redor. A cachaça nestas ocasiões nos refresca o tato. O que de vidro tinha os espaços, adquire uma textura de pétala. A tela do computador agora sozinha. A rua nos deixa passar, mas não nos abraça. Finalmente, no bar, a lembrança da minha verdadeira mãe.

sábado, maio 22, 2004

Raiz

Espetava o dedo em pontas de agulhas, minha avó não me deixava sangrar. Andava pelas ruas sem *sinto de segurança, minha avó me segurava ao ventre. Mimado, desobedecia a mim mesmo nas noites de cassino, minha avó não precisava dar ordens. Tropeçava ao menos uma vez a cada quadra, minha avó tropeçava o mundo todo para me acompanhar.

Copiava um pouco de cada para criar um Alexandre França por dia,

minha avó me afastava de espelhos.

*Este "sinto" é com "s" mesmo.

quinta-feira, maio 20, 2004

Da série "num quarto de hotel".

Aperto o interruptor
como quem espreme os olhos
na espera de escorrer
um olhar.

quarta-feira, maio 19, 2004

Na rua

No colégio, a parede que ralava o cotovelo era mais uma destas texturas da infância. A trepadeira que subia nos muros também me abraçava. A abelha sabia que incomodava, mas no fim era uma companhia de domingo. O cheiro de pinhão nas festas de quintal, o doce do carbono empapuçando as ventas, o sabor da tarde esfacelando na língua. A gordura pingava as lágrimas da carne e o meu olhar derramava o resto da placenta da minha mãe. Agora, olhava sempre pelo buraco. As cadeiras rabiscadas com mensagens de caneta bic. Todo um arsenal de coisas na mala igualmente rabiscada. Um dia inteiro enfurnado no corredor de um corredor de um corredor. A luz branca, a pele das meninas como a camada branca do céu. Olhava sempre pelo buraco. O rosto do professor falando para ele mesmo o que nunca tiveram vontade de lhe falar quando criança. A náusea de cuspir socos em alguém, a raiva de engolir palavras de alguém. A cor cinza do quarto, que não era meu, sujava o meu peito encolhido. Meu peito espalhava a luz restante do sangue da minha mãe. Minha coragem destilada pela pelugem do meu corpo. A chuva não queria molhar minha roupa, nunca quis. A chuva queria me ultrapassar. A vida dormia na época do sol em estiagem. A vida acordava sempre em momentos de passagem.

terça-feira, maio 18, 2004

Da Tiradentes ao resto

O quartzo da grama da praça Tiradentes, restos dos cartazes da banca velha do tio. Os passos do velho cachaceiro, mais uma apresentação itinerante do fringe. O objeto cortante da calçada, um pedaço de um coração desesperado.

O sorriso da cidade, um caco da nuvem banguela que não aprendera a chover.

segunda-feira, maio 17, 2004

Sobre Curitiba

Como a espuma que ao redor fica da coagulação, o meu olhar fica ao redor da sua boca gelada. Eu falo de Curitiba e de suas lâmpadas maquiladas de lampiões. Durmo sempre em cima de suas coroas de orvalhos congelados, das suas praças sujas de moleques friorentos. Durmo no vento que o seu assovio pronuncia, sua canção de ninar pombas. Durmo no alto da casa Hoffman e da sua mania de ser mais do que já é. Eu dedilho esta Curitiba de tubos em franca decadência. Eu mastigo esta Curitiba de migalhas esquecidas nos vãos da praça Carlos Gomes. Eu engulo você Curitiba, como quem engole o leite duvidando se este vem da mãe ou da vaca. Eu curto você assim: na acidez do hospital evangélico e de sua ala de queimados. Do cinza do HC e de seus bares metropolitanos. Eu viajo em Curitiba assim: como um curitibano em sua certeza de não ser o que é.

domingo, maio 16, 2004

Visões do paraíso

Dando continuidade a série "visões do paraíso", hoje vocês leitores terão o privilégio de conhecer a polêmica visão do jovem poeta Luiz Felipe Leprevost sobre a cidade de Curitiba. Com o livro de poesia "fôlego" lançado no ano de 2000, o poeta prepara agora o lançamento da sua mais nova edição entitulada "máscara óbvia", a sair pela Travessa dos Editores. Com respostas ácidas, porém sinceras e contundentes, Luiz Felipe abalou geral as estruturas deste blues. Confira a entrevista com esta, que é, com toda certeza, uma das figuras mais marcantes da atual poesia curitibana.

Conte para os nossos leitores o que é ser um poeta como o Luiz Felipe Leprevost?

Nosso amigo Tibério Santos diz brincando: “O Luizinho é um homem simples, um poeta do povo”. Realmente estou constantemente em busca disso. Ser simples e conseguir uma poesia que comunique é bastante difícil, exige calma e persistência. É necessário estudo, conhecimento das coisas, para que se possa tomar consciência de seu talento. Não saber como usar o talento é desperdiça-lo. Ocorre que tal consciência não amadurece de uma hora para outra. No meu caso, quero crer que estou no caminho e que o sol já começa a nascer no horizonte do mar.
O meu segundo livro, que sai ainda esse ano pela Travessa dos Editores, já é bem mais consciente que o primeiro, nele consigo trabalhar com conceito, com temática, consigo apostar em determinada linguagem. Acredito que há ali maneira própria no dizer, unidade e coerência no discurso. No entanto, ainda sou um poeta, como dizia Vinícius de Moraes, em busca de minha forma e de meu fundo.


Qual a sua relação com Curitiba? No que a cidade influenciou o seu jeito de escrever e de viver?

Eu sou curitibano. Ou melhor, curitiboca. E encho a boca para dizer isso, não tenho medo de ser apontado como tal, não fujo do que somos. Aquela Curitiba defendida tardiamente por alguns intelectuais de plantão não existe mais. O próprio Dalton Trevisan sabe disso e trabalha em sua literatura com essa ilusão da Curitiba do passado em contraponto com a cidade nova da era Jaime Lerner. Ele ainda tem a prosa mais radical e poética da região, e tem noventa e nove anos de idade. Que escritor jovem local fala sobre os Mocós, sobre os viciados em crack? É claro que eu não posso escrever como o Dalton, aquela Curitiba eu nunca vi.
Fui criado na nova cidade do Lerner, brincava dentro do Clube Curitibano e do Graciosa, freqüentava festinha americana nos salões dos prédios do Batel, estudava no Colégio Positivo. Somente no segundo ano da faculdade de direito comecei a conviver com artistas, e nunca pensei que sofreria os preconceitos que sofri. Somente quando larguei a faculdade de direito e larguei o emprego em um grande escritório de advocacia, comecei a beber nos bares do Largo da Ordem. Agora, nem mesmo por isso eu virei uma réplica dos poetas dos anos setenta, desses que se vê ali por perto da Reitoria. A nossa produção sofre desse atraso, principalmente a musical.
Outro sintoma: Os artistas do centro se fecham para o resto da cidade. Só tocam em bares da região, só fazem teatro na região. Depois reclamam que os curitibocas não vão ao teatro. Tem gente que está mudando isso. O Grupo Fato fez diversas apresentações em escolas periféricas. Tem um diretor de teatro, o Beto Lanza, que também invadiu a periferia e realiza um trabalho corajoso. Não quero ser injusto, é preciso dizer que o convívio com os artistas do centro me ajudou muito. fiz muitos amigos. Creio que eu não poderia pensar sobre a minha condição na cidade se não tivesse existido essa aproximação.
Mas eu não quero ficar fechado no centro, achando que sou o poeta estrelinha do bar da esquina. O fato é que existe uma Curitiba nova , que surgiu com a era Lerner. O Sítio Cercado, por exemplo, é uma cidade independente, tem tudo lá, inclusive poeta. Ou nós que somos curitibocas, e incluo aqui os Caetanos e os Leminskis do centro, começamos a dialogar com essa Curitiba do novíssimo curitibano, ou vamos ser engolidos pela nossa própria falta de interesse e comodidade. A minha maneira de ser um artista em busca da cidade, da grande Curitiba é a seguinte: Ir me forjando, ir me forjando para me transformar na cidade, para ser parte dela, para ser vivido por ela, ser escrito afinal por ela.


Curitiba, na sua ótica, é uma cidade de bons escritores?

Claro! Dos melhores do país. Nós somos radicais. Me parece que a nossa literatura é bem independente das vanguardas oficiais do Brasil, diferentemente das outras artes feitas por aqui. Talvez eu seja um pouco injusto, mas os nossos artistas expoentes estão na exceção, o resto que aparece na mídia é pastiche. E tem os bons que não são vistos, estão na invisibilidade de por aí. Mas na literatura a história não é bem essa, uma grande parte tem qualidades e está publicando ou já publicou. O problema está no consumo interno dessa literatura. Pouca gente lê os autores locais. Sobre a questão das outras artes, e aí não falo só de Curitiba mas do Paraná, os nossos maiores são reconhecidos como paulistas, como vanguarda paulista.
Veja o Arrigo, o Itamar, Bortolotto, tudo São Paulo. Tem também os atores, que sem a televisão sequer seriam cumprimentados por outros atores no café da classe. Já com os escritores acontece diferente, e isso é curioso. Um estado que tem Newton Sampaio, depois o Dalton, Jamil Snege. Agora mais recentemente tem o Paulo Sandrini, que cagou para toda essa moda de neo-realismo e fez um livro de realidade fantástica. Tem você (Alexandre França) a escrever uma poesia que, no mínimo, tem dicção própria efervescendo nela, assim como a poesia do Fernando Koproski, isso é já muitíssimo positivo. Também não é em qualquer lugar que alguém escreve um Catatau, como o Leminski. Ou um Mar Paraguayo, como o Wilson Bueno. Ou um Mez da Grippe, como o Valêncio Xavier. Posso até dizer, embora o nosso simbolismo seja inferior ao do Cruz e Souza, que há uma importância tremenda para essa estética na obra do Tasso da Silveira.
O movimento simbolista foi muito forte aqui, é uma identidade natural nossa. Hoje em dia nós absorvemos esse eco sem prestar muita atenção, e é por isso que a poesia aqui em Curitiba está conseguindo se livrar do fantasma que o Leminski deixou. Não dá mais para repetir aquilo. Nos Anseios Críticos, inclusive, o próprio Leminski falava sobre uma certa geração neon, que somos nós. O problema todo é que a gente tem desejo de inovar, tem vontade de ser genial e acha que o atalho é dando seqüência para aquilo que o Leminski fez. Isso é um equivoco. Não dá para continuar aquele caminho do Leminski, não dá para entrar de gaiato. O cara que fizer isso vai se arrebentar. Eu mesmo já me espatifei.
Eu não estou aqui decretando uma luta contra o passado, contra o Leminski. Muito pelo contrário, estou dizendo que é preciso conhecer para não se tornar uma cópia falsificada daquilo. A única maneira de se escrever uma boa poesia é colocar o próprio corpo no papel, é ser o papel. Só a individualidade é original. E só é original o que vem da origem mais remota do escritor. Ser o que se é, isso sim é radicalismo. Temos exemplos aqui em Curitiba. Quer algo mais radical do que a Helena Kolody, em Paisagem Interior, de 1941, escrever hai-kais, em um mesmo livro que contém sonetos simbolistas? Nossa literatura não brinca. Até aquela idiotice autofágica que nos parecia sina está diminuindo. Todos nós estamos querendo diálogo.
Todo mundo padeceu muito de crítica no passado. Sinto que até os mais velhos querem continuar se pondo na praça. Não dá para ficar esperando que o Wilson Martins escreva sobre um livro seu. Se isso acontecer, bacana. Mas antes festejemo-nos uns aos outros. Está nas nossas mãos continuar o que é bom e mudar o que é ruim da herança que recebemos dos escritores mais experientes. Eles fizeram muita cagada politicamente, pareciam querer ver o coro do outro, ninguém conversava, ninguém escrevia um prefácio ou uma matéria para um escritor novato. Não é enterrando o passado que vamos fazer a nossa história, tem que conhecer o que os caras fizeram. Tem que saber quem foi Emílio de Menezes, quem foi Emiliano Pernetta. Tem que saber quem é Leopoldo Scherner, quem é Rio Apa.
Também acho que só conhecer não basta, o poeta tem que escrever comovido pelas questões do mundo. Não podemos repisar a caquinha que a geração que veio imediatamente depois do Leminski deixou. Os caras ficaram durante anos batendo a punheta da metalinguagem na obra e, no convívio, ficaram igual mosca sobrevoando a merda da intriga. Acho que as coisas estão melhores, mas acho que precisa mais. A nossa Universidade, a Academia, deveria dar conta da produção local. Teses a respeito do Dalton já foram escritas exaustivamente. Por que não estudam o Manoel Carlos Karam, por exemplo? O cara é um dos grandes. Tem que ter debate na Universidade sobre o livro do Edson Falcão, sobre o do Henrique Komatsu. Tem que se falar em Ricardo Corona, que é um dos poetas mais ousados da cidade, tem CD de poesias, tem livro em parceria com artista plástica. Olha, tem que se falar do Sérgio Rubens Sossélla, do Marcos Prado.
Tem que saber descobrir poetas desconhecidos, tem que saber agregar a produção dessas pessoas. O Fábio Campana é editor e descobriu uma poeta chamada Bárbara Lia. É uma senhora de sessenta anos que escreveu poesia a vida toda e sempre esteve na margem. Tem outra poeta que é genial e é louca de verdade, a Bia de Luna. Acontece que a produção e a vida dela são tão caóticas que ninguém tem coragem de se envolver. Se eu fosse editor ela seria a primeira da minha lista. Não dá para ficar estudando somente Ezra Pound. Ainda falta organização na nossa literatura, falta crítica, falta conversa, falta lugar para que estas conversas aconteçam.
Esses eventos anuais que a fundação cultural faz para celebrar o Leminski nada representa para nossa literatura. Embora os poetas que ali estão devam ser respeitados e admirados, A Casa do Poeta, ali no Largo da Ordem, também nada representa para nossa literatura. Essas coisas só funcionam para iludir bobo alegre.


Você acredita no fato de estar dando continuidade a alguma linha que os escritores curitibanos seguiram no passado (se é que eles seguiram alguma linha de escrita)?

No começo, quando eu só conhecia um ou outro poeta em destaque, eu pensava ter vocação para ser o discípulo que levou aquela estética até as últimas conseqüências. Hoje acho tudo isso uma canoa furada. Se eu conseguir dar continuidade a mim mesmo, e isso é dedicação para a vida toda, então já me parecerá que é o suficiente.

Em qual posição, na sua opinião, Curitiba está no atual cenário poético brasileiro?

Em todas. Porem, como diz o Jaques Brand, não dá para todo mundo fazer o gol. A necessidade oficial de se manter a idéia de um mito literário, de um poeta maior está deixando o público cego e está enfraquecendo o veradeiro valor que a obra dessas pessoas tem. Porra, o Emiliano Pernetta, em decorrência de sua popularidade, foi consagrado como “príncipe dos poetas paranaenses”, e agora sequer é lembrado. A Helena Kolody foi consagrada como “a maior poetisa da história do Paraná”, e agora só se fala dela em chá de avós. O Leminski é considerado “o grande gênio da nossa poesia”, e agora os críticos estão falando que a sua produção poética é um equívoco e que só tem valor sua prosa.
Não dá mais para enganar o público com título plastificado. É claro que estes autores são maravilhosos, transformá-los em bobos da corte é que é errado, diminui seu valor. E o público que gosta de poesia não compra quem tem valor duvidoso. E se os que são considerados grandes gênios são gênios de valor duvidoso, então como é que se sustenta o resto da literatura feita no Paraná? Nós precisamos do público. Precisamos ser consumidos aqui dentro, antes de mais nada. Nós temos que parar de mendigar parceria com músico de São Paulo só para ver nossa poesia cantada no palco do Guairão. Temos que parar de dar o rabo para conseguir resenha na folha de São Paulo. Agora, temos que lançar o livro em São Paulo, em Porto Alegre, no Rio. Só que temos também que ir lançar o livro em Irati, em Castro, em Piraí do Sul, em Guaratuba.
Temos que fazer amigos, temos que nos respeitar. Temos que entender que as opiniões críticas não devem ser, para o escritor, maiores que a sua necessidade de escrever. Temos que pensar que um cara como o Paulo Polzonoff é importante para o nosso jornalismo local. Ele é incisivo, dá porrada, se equivoca, mas provoca, pinica, é inteligente, estuda, lê, combate. Alguém tem que fazer esse serviço, tem que tirar a poeira, já que a Academia não faz. De qualquer forma, o escritor não pode dar muita bola para isso, para querelas. Não estou falando em briga, estou falando em movimento, em movimento interno. Temos que participar de eventos, temos que criar eventos.
Temos que ir falar sobre a obra em escolas, em faculdades, não somente para fazer publicidade, mas para levar a poesia até as pessoas. Conversar com as pessoas, com os leigos, com os não iniciados. Um poeta para ser lido, antes de mais nada deve ser querido por seu povo.


Se fosse para você fazer uma poesia para algum lugar de Curitiba, para qual local você faria e por quê?

Alguém me disse uma vez que Curitiba é um não-lugar. É engraçado, um curitibano faz uma canção sobre Copacabana e a música faz um puta sucesso nos bares aqui de Curitiba. Se o mesmo cara faz outra canção, essa falando sobre os nossos belos pinheirais e sobre a gralha azul, nossa como isso vai soar falso. Ainda não sei explicar esse fenômeno. Por incrível que pareça, a música que eu conheço que melhor fala da nossa Curitiba é obra de um carioca, e é um samba, como não poderia deixar de ser. É do Antônio Saraiva e o Alexandre Nero gravou. Acho que vale a pena colocar a letra aqui: um afoxé muito branco emerge das brumas / o vento frio e a bruma parecem não crer / nos ursos polares, vampiros, destaques do bloco / que varre a cidade de vodka e som / velhos cristãos já sabiam fazer uma varra / faltava era só aprender a bater agogô / dentro e fora do tempo suingue quadrado / quadris emperrados começam estremecer / será que Wojciela / de branco encara Oxalá? / será que o prefeito perfeito vai patentear? / será que no ano que vem também vão desfilar? Parece, disseram, que isso veio pra ficar / loucos e lúcidos dançam nas ruas e parques / sempre cantando em puro polaco-nagô / agora que já misturaram dendê e Descartes / Gdansk, Curita e Bahia são da mesma cor”.
Dá para ver que é uma letra cheia de ironia e referenciais da atualidade, Curitiba já não é mais somente curitibana. Eu acho que quando agente consegue falar da cidade com esses referenciais e deixa para trás os pinheiros e a gralha azul, aí a gente consegue fazer com que as pessoas se identifiquem, tanto quanto se identificam com o cruzamento da Ipiranga com a Avenida São João quando escutam o Caetano. Se hoje fosse fazer um poema sobre alguma parte de Curitiba, eu faria sobre o Tubo do Expresso, Estação Praça do Japão, onde você desembarca, com um bando de gente triste, pelas portas dois e quatro e cai na frente de um posto Texaco, onde você pode comprar, na loja de conveniência, uma deliciosa cerveja Kaiser Summer, mesmo estando em pleno inverno.


Esta pergunta já foi feita em outras entrevistas, mas acredito ser pertinente para o tema que eu escolhi para esta série: você considera Curitiba uma cidade poética? Por quê?

Eu considero Curitiba uma cidade misteriosa. Há muito estranhamento, para mim, na maneira de ser do nosso povo. Toda a contradição que Curitiba carrega em suas costas, como carregasse uma cruz, isso tudo faz a cidade ser extremamente poética. A nossa cidade é uma musa decadente, como algumas putas velhas que freqüentam, não as ruas da Saldanha Marinho, mas os salões do Clube Curitibano. Eu sou da opinião que quanto mais blindex em nossa janelas, e quanto mais formos Capital Mundial Não Sei de Quê, mais e mais e mais nós seremos decadentes.

As pessoas que o conhecem sabem que a relação entre a sua poesia e a música sempre foi muito estreita. Qual é esta relação e por quais músicos curitibanos você foi influenciado? Por quais razões?

O primeiro tipo de música pelo qual eu me interessei foi a caipira. Modas de viola sempre me emocionaram. Aquilo está entre a fala e o canto. A interação com o instrumento é perfeita. Quando escrevi meus primeiros versos, escrevi imitando os de Cabloca Teresa. Ou seja, a oralidade já vem daí. É claro que isso se misturou com outras influências da minha formação de então. Uma vez um professor pediu que levássemos um poema decorado. Levei um soneto do Camões. Tudo o que eu queria dizer para a menina que eu gostava estava dito ali. Depois que este professor me escutou declamar o Camões, me encaminhou para o irmão Balestro. Eu pensei que ia levar uma bronca do irmão, que tinha fama de ser muitíssimo brabo e louco. Brabo ele não era. Mas louco, sim. Passou a me treinar. Me ensinava declamar poemas do Camilo Pessanha.
Aquelas foram minhas primeiras aulas de teatro, de música e de literatura. Isso de falar poemas em público desde pequeno me acompanha. E o que é um poema falado senão música? Todo poema é um piano de possibilidade, a sua melopéia é múltipla. Acho que por conta dessa formação a minha poesia interessa os músicos. Os dois primeiros amigos que eu fiz, que eram artistas de verdade, foram a Rose Moraes e o Gerson Bientinez, dois músicos. Foi natural que a minha poesia começasse aparecer por esse viés. Até hoje sinto que meus poemas não se contentam com as páginas dos livros apenas. Eles precisam ser gritados, sussurrados, sonorizados de alguma maneira. Na medida que fui ocupando os palcos da cidade, notei que eu tinha que conseguir me comunicar com o público. Notei que eu precisava ser um artista de palco. Para isso eu tentava imitar o Alexandre Nero. Posso até dizer que eu declamo como ele canta e que ele canta como eu declamo.
Engraçado que quando eu declamava poemas muito pungentes e longos, eu geralmente amassava as folhas e jogava para a platéia. No último show do Grupo Fato, o Atamancados, o Nero abre o show declamando meu poema Technera e jogando as folhas para o público. Depois de uma dessas apresentações a Rogéria Holtz me falou: “O Nero tá te imitando”. E eu disse: “Mais do que justo, eu já imitei tanto ele”. Outro cara que é músico também e me influenciou foi o Tatará, por causa da questão oral, por ser um sujeito meio iconoclasta. Eu sou ou da epifania, da violência, da porrada, ou da delicadeza total. Contradições, meu amigo.


Como você vê a atual arte (tudo, ou seja, teatro, artes plásticas, cinema...) produzida em Curitiba?

De música eu gosto de muita coisa, embora me identifique mais com o Grupo Fato e com o Troy Rossilho, porque este é meu parceiro e as suas melodias combinam com os meus poemas que tem vocação para letra de música. Como público eu gosto do pessoal da música caipira e dos caras do fandango do litoral. Das artes plásticas eu não conheço nada. Tem um ou outro pintor que às vezes me chama a atenção pelas cores, mas eu seria injusto ao dizer qualquer coisa. De qualquer forma, parece que tem uma galera bem respeitada por aí, com trabalhos fora do país, um pessoal que se destaca. Também existe uma gama de artistas plásticos que já superaram a tela tem muito tempo. Aqui em Curitiba tem gente das faculdades de artes visuais procurando fazer coisa diferente, trabalhos em mil mídias, obras virtuais etc.
Mas eu ainda gosto da tela, gosto de sentir o cheiro da tinta, gosto de esperar o quadro secar, esse ofício me lembra o do escritor. Já o cinema me parece ser uma extensão das artes plásticas. Não sei quem em Curitiba tem visão parecida com essa. Mas na verdade eu não saberia dizer nada sobre a produção, mesmo porque eu não gosto de cinema. Dos que fazem teatro, entre tantos amigos, me emociono muito com a Regina Bastos em cena.


E o teatro? O seu próximo lançamento tem uma grande influência do teatro.Você é mais ator ou poeta? Aproveita para falar sobre o teatro em Curitiba.

Sobre o meu livro eu prefiro nada dizer ainda. Não quero por os pés pelas mãos. Ainda estou ensaiando escrever como quem anda. Sobre ser mais ator que poeta ou mais poeta que ator, não sou mais uma coisa nem menos outra. Não sou também um pouco de cada coisa. Eu sou poeta. E só poeta. Mesmo quando estou trabalhando como ator eu sou poeta. Da mesma maneira que ocorre com a música, o meu trabalho como ator é uma extensão da minha poesia. Eu só estou ali, estudando como ator porque a poesia me dá essa possibilidade, às vezes cobrando algo a mais, às vezes me impondo o fazer teatral. O que eu escrevo tem muita força e fluência quando desabrocha das expressões orais. Por conta dessa característica comecei ser bem recebido pelos palcos da cidade. Então comecei a estudar teatro, primeiro com a Fátima Ortiz e depois no Ateliê de Criação Teatral, para ampliar meu repertório corporal, para melhorar minha dicção, para saber medir a emoção, para me aperfeiçoar tecnicamente, enfim. Estudando teatro entendi que o que eu fazia antes já era teatro. Por isso continuo estudando até hoje. Minha poesia melhorou, minha escrita melhorou, tudo melhorou muito desde que comecei tomar consciência de certas questões da prática teatral.
Foi no teatro que passei a conviver definitivamente com artistas, pessoas que sobrevivem fazendo arte e não deixam a peteca cair. Somente no teatro eu consegui me assumir como artista mesmo, pude ver que é possível. Conviver com gente como Fátima Ortiz e Nena Inoue, que foram minhas professoras, e com o Luis Melo, que é meu colega de turma em um grupo de estudos sobre o escritor russo Tchekhov, sem dúvida me ajudou entender que é necessária a dedicação de uma vida inteira a favor da arte. Me fez entender que essa é uma escolha sem volta, o comprometimento deve ser total, caso contrário não existe o fazer artístico. Pouca gente do meio teatral de Curitiba entende isso. Pouca gente mesmo. E é por isso que o teatro de Curitiba não vai indo muito bem. Existe aqui um tipo de postura em relação as produções que é absolutamente equivocada. Tem muito consentimento no meio teatral. É pela postura de quem faz teatro aqui que o público daqui também é totalmente alienado.
Fazer teatro em Curitiba virou um bom negócio. Os atores ensaiam uma peça em menos de dois meses e estreiam, aí ficam dando aquela desculpa de que a peça se faz mesmo durante a temporada. Mentira. Durante a temporada a peça passa por um outro momento. É claro que descobertas devem acontecer durante a temporada, mas já é um outro estado de construção, de aprimoramento, de aprendizagem. Tem que ter respeito com o público, mesmo se a intenção estética seja a de desrespeitar o público. Os produtores, diretores e atores estão sendo acostumados de uma maneira bastante ruim pelas leis de incentivo. Na teoria a coisa é bonita, só que na prática virou uma maneira de ganhar dinheiro fácil. São muitas as pessoas do teatro paranaense que eu chamaria de picareta. O nosso festival, por exemplo, é outra fantasia. É ilusão para bobo alegre.


Aqui você deverá fazer uma pergunta ao entrevistador. Sem pena alguma, mande ver.

Nós temos uma amizade antiga, já discutimos muito sobre muitas questões. Parece-me que para nós não há nada mais significativo que o exercício poético. Sobre a sua poesia eu poderia dizer que a considero extremamente lírica. Você a defende como sendo anti-lirismo. Eu gostaria que você expusesse um pouco desse seu conceito. E em alguma outra oportunidade eu poderei defender a idéia do lirismo, para mais uma vez contrapor a minha opinião com a sua.

Resposta: Bom, Luiz, na verdade eu nunca defendi este negócio de dizer que a minha poesia não é lírica, mas as pessoas que leram o meu primeiro livro, sim. Eu defendo o fato de que toda e qualquer poesia é lírica, mesmo que nela contenha um número infinito de palavrões e escatologias (ou mesmo sendo ela um poema concreto). Defendo, sim, a idéia do anti-lirismo lírico, ou seja, aquela coisa que quer parecer (ou, num primeiro momento, aparenta ser) não-lírica e que na verdade possui uma decadência tão lírica quanto um "eu te amo" dito por uma prostituta de luxo do batel. O lirismo está em tudo.

Agora você tem o direito de falar o que quiser, o que quiser mesmo. Manda ver.

Nada pode dizer mais e melhor que um bom poema. Fiquemos com esse:

Ofício Humano
de Murilo Mendes

As harpas da manhã vibram suaves e róseas.
O poeta abre seu arquivo — o mundo —
E vai retirando dele alegria e sofrimento
Para que todas as coisas passando pelo seu coração
Sejam reajustadas na unidade.

É preciso reunir o dia e a noite,
Sentar-se à mesa da terra com o homem divino e o criminoso,
É preciso desdobrar a poesia em planos múltiplos
E casar a branca flauta da ternura aos vermelhos clarins do sangue.

Esperemos na angústia e no tremor o fim dos tempos,
Quando os homens se fundirem numa única família,
Quando ao se separar de novo a luz das trevas
O Cristo Jesus vier sobre a nuvem,
Arrastando por um cordel a antiga Serpente Vencida.


É isto. Valeu pela entrevista.
Frio curitibano

As tardes de Curitiba, o bocejo da manhã ao salivar a neblina de um orvalho recém-nascido. As pedras gastas de Curitiba, a minha pele enrijecida pelo gelo dos seus braços. A cama minha em Curitiba, meus lençóis em Curitiba, o último leito de um esconderijo: Curitiba.

sexta-feira, maio 14, 2004

Catarata

Uma janela aberta é como a boca aberta de sono: engole o que não precisava ser engolido. Um piso de madeira velho e esquecido é como o andar de um indivíduo cego: traz nas pernas um último olhar de lembrança. Os autofalantes dos carros nos denunciam ao nos anunciar. Os muros não estão pichados e sim mordidos. Em cada previsão uma angustia de não acontecer nada mesmo. As cores não são como eram antes. A minha córnea escureceu antes do tempo previsto.

E eu, não deveria começar a escrever tão cedo.

quarta-feira, maio 12, 2004

Deram-me a maior oportunidade de escrita: a vida.

segunda-feira, maio 10, 2004

Visões do Paraíso

Bom, como prometido, darei início a série "visões do paraíso",na qual serão entrevistadas algumas personalidades da cena cultural curitibana à respeito da cidade de Curitiba. O primeiro entrevistado da série é o vocalista e multi instrumentista da banda Gato Preto, Ivan Halfon.

Defina o músico e compositor Ivan Halfon.

Acho que dá para separar essa pergunta: como músico, dá pra dizer que eu sou vagabundo, toco muito mais por instinto e pelo ouvido do que por estudo. Como compositor é o contrário, não tem nenhum dia que eu passe sem pensar em fazer uma música. Mas eu também sou muito auto-crítico, então eu jogo a maioria das músicas fora.

O que é Curitiba para você?

É uma cidade muito rock n’ roll.

O movimento psicodália veio alcançando uma popularidade cada vez maior entre as pessoas que saem à noite e que gostam de rock psicodélico. Hoje é um dos movimentos musicais mais importantes para Curitiba. E a banda Gato Preto, na qual você é instrumentista e vocalista, é uma das mais relevantes deste movimento. Sendo assim, o que o psicodália tem a ver com Curitiba? Qual a sua principal característica? E, principalmente, ele está no mesmo caminho da atual estética cultural e artística de Curitiba?

Não sei o que o Psicodália tem a ver com Curitiba, acho que em qualquer lugar que aquelas figurinhas se encontrassem eles iam fazer um movimento de Rock n´ Roll.
A principal característica do movimento, pra mim, é o gosto e o amor pelo rock 70 e, já respondendo a outra pergunta, livre de qualquer estética artística ou cultural. Pra te falar a verdade, eu nem sei qual é a atual estética cultural e artística de Curitiba, meu negócio é o rock n´ roll, mesmo.


Curitiba influenciou de alguma forma a sua música, a sua arte?

Foi aqui que eu tive contato com bandas como King Crimson, Yes, Mutantes, Jethro Tull, tudo isso aí.

Qual é a sua opinião sobre o atual cenário musical curitibano.

Eu acho as bandas daqui muito boas, dentro dos seus estilos. Acho que tem boas bandas pra todos os gostos, da MPB ao disco.

O que você acha a respeito das atuais leis de incentivo e de fomento a cultura? Elas ajudam em alguma coisa? São relevantes para a comunidade musical curitibana?

Nunca mandei nenhum projeto para a lei de incentivo, mas já ouvi falar que o processo leva anos, até a liberação do dinheiro. Mas parece que eles bancam tudo, então tá ótimo, não dá pra fazer muita cobrança também. Eu já ouvi discos muito bons que foram gravados pela lei do incentivo, então eu acho que ela é relevante e ajuda aos artistas, sim.

Agora uma pergunta diferente: se fosse para você fazer uma música para algum lugar de Curitiba, para qual lugar você faria e por quê?

Eu faria pro bar do Torto, porque tem a cerveja mais barata e a mesa de sinuca mais reta da cidade. Mas a única música que eu já fiz para um lugar se chama o Som Azul, e foi feita para um lugar que chama Tamanduá. Não preciso nem explicar por quê, se um dia você for lá você vai fazer um poema pro Tamanduá também.


Você acha que um artista curitibano pode dar certo fora de Curitiba? Por quê?

Claro, eu acho que um artista de qualquer lugar pode dar certo em qualquer outro lugar, o local é o de menos.

Você teve alguma influência de artistas curitibanos? Quais são elas e o que elas significam para a sua arte?

Não tive. Aliás, eu tento ter o mínimo de influência, a idéia é fazer algo o mais original possível. É claro que é inevitável não se influenciar nos sons que você curte, então acaba tendo influências das bandas que eu citei lá em cima, por exemplo.


Bom, neste último item você deverá formular uma pergunta ao entrevistador. Uma pergunta que você ache pertinente ao tema “visões do paraíso”. Mande ver.

Beleza. Quais os locais de Curitiba que, na sua opinião, mais se aproximam de “visões do paraíso”? Aproveite também para citar os pontos turísticos de Curitiba que você definiria como “visões do paraíso”, sem esquecer de citar as linhas de ônibus que levam a cada um deles, exemplificando e justificando cada uma.

Resposta: Os dois lugares básicos que, não se aproximam, SÃO as visões do paraíso é a rua XV e o Largo da Ordem, principalmente à noite, onde a diversidade de casos e tipos é infinita. Outro lugar que eu acho ser uma visão do paraíso é a cruz machado, mais conhecida como a rua da lama...como não se divertir com os espelhos decorativos de um La Honda, ou com o perigo eminente de se entrar num lugar como o Gato Preto?

Fale o que você quiser, o que quiser mesmo, para terminar.

Falou, até a próxima, obrigado pela entrevista, e quem gosta de rock n´ roll vão dar uma conferida na banda Gato Preto!

É isto pessoal. Semana que vem será entrevistado o poeta Luiz Felipe Leprevost. Até a próxima.

sexta-feira, maio 07, 2004

Ação!

Já vi um filme parecido. A tela murchava as flores a cada tomada, os atores batiam palmas à eles mesmos e a vida era tão fácil quanto virar uma aguardente no final de semana. Este filme já saiu de cartaz há tempos, esperou apenas um espectador e fugiu do cinema como um que foge de cena na eminência de mijar nas calças. Este filme morre no fim e não da espaço para o vilão falecer em seus braços. Este é um suicida que morre todos os dias, mata um negativo por mês e não consegue sorrir do fato. Este filme não dá brechas a comentários, ele esconde um garrafão de vinho no altar, bebe a cada fim de ato, arrota a cada fim de prólogo. Ele não quer dar depoimentos. Ele não quer aparecer na mídia.

Este filme pode ser tudo o que você queria, mas não me diga ser ele uma poesia.
Avisos

1 - Começo a ler "Cinco Marias" do Carpinejar e semana que vem (não sei em qual dia) irei publicar uma resenha a respeito.

2 - Testei os comentários dezenas de vezes e eles estão funcionando.

quinta-feira, maio 06, 2004

obs: não resisti e acabei escrevendo uma coisinha para o blog.
Moscas

O quarto de hóspedes hospeda quantas moscas forem necessárias ao estômago da cama. Um ventre falece a cada sonho, uma placenta a cada espirro. Não percebemos que morremos, mas sentimos a morte nos apertar a mão.

Sentimos quando as moscas se hospedam no nosso olhar.
Aviso 2

1 - Em breve, daremos início a série "Visões do Paraíso". Serão entrevistas com artistas curitibanos a respeito da cidade de Curitiba. A primeira entrevista será (claro, não podia perder a oportunidade de ontem) com o Ivan Halfon, da banda Gato Preto. Ele já prometeu abalar as estruturas deste blues.

2 - Não sei por que os comentários não estão funcionando. Vou conferir e testar algumas milhares de vezes. Até eu estou sentido falta de um comentário sobre os textos.

É isto

Abraços

quarta-feira, maio 05, 2004

Avisos

1- Bom, amanhã e depois, excepcionalmente, não irei escrever por razões pessoais (mas não se preocupem, passando este tempinho de ressaca-de-fossa-pós-trauma, irei continuar a escrever normalmente).

2- Vou assistir hoje à banda Gato Preto do amigo e colega Halfon. Muito rock´n´roll e cerveja gelada hoje no era só o que faltava.

3 - azul e verde dá para confundir, já vermelho e verde é de morte.

Abraços
Lembrança de um olhar verde

Acordei triste.
Mais uma vez durmo sem um beijo de boa noite.
A minha boca, sozinha, não fala.
O silêncio lava as mãos.

No verde da grama, no verde da toalha do buraco de fim de semana, no verde cor-de-rosa do meu sono, no verde dos seus olhos, no verde da sua mastigação, no verde do sumo da casca da tangerina não madura, no verde do céu radioativo dos seus braços, no verde do negativo de foto visto à luz do seu olhar, no verde do sangue envelhecido no estômago, no verde da sala de estar do bordel, no verde do banheiro em noite de festa, no verde do jardim da casa que nunca tive, no verde de alguém de coração verde, de circulação verde, de nebulosas ofuscando verdiniscências, do corrimão da lágrima verde, de solidão verde, de um dia sofrer verde, verde, apenas verde.

segunda-feira, maio 03, 2004

Comparações de fim de tarde

A lágrima lenta, o orvalho da pulsação. A grama seca do pasto, o cenário do corpo ao sair do banho gelado. As lascas da beirada do rio, o escoar apressado da gordura no sangue. Os olhos serrados ao amanhecer, o rabisco de um desenho no rascunho do azulejo pálido. As cruzes das igrejas curitibanas, a régua de um arquiteto depressivo. O relógio parado ao meio dia, o início da minha última melodia cafona.

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