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sexta-feira, dezembro 10, 2004

Toda mulher merece ser despida. O corpo em exposição agressiva: a transformação das cores em uma só cor da pele. As dobras em confluência com as pregas do espaço. As curvas entortando as arestas da mente, da libido. Toda mulher merece ser despida. Os seios a mercê da boca. O sabor do mundo a mercê de seu leite. O balsamo para a rotina pingando gota a gota nos poros da retina masculina. Toda a mulher merece ser despida. Assim como as peles de todas as coisas merecem ser tocadas.

terça-feira, dezembro 07, 2004

Entrevista com Amarildo Anzolin
Confiram a entrevista com um dos grandes nomes da nova geração de poetas curitibanos hoje em voga. Amarildo Anzolin fala sobre o seu novo livro, sobre a crise de valores no meio literário e sobre a sua paixão pela sua própria poesia.

Amarildo, você se encaixaria em alguma geração poética ou movimento poético?

Lancei meu primeiro livrinho de poemas (Co-lapso) em 1995. Se seguirmos a definição de Haroldo de Campos, eu faço parte do período “pós-utópico”. Se não me enquadro na estética de Haroldo, acredito comungar (juntamente com outros poetas) de uma “geração” pós-vanguardas, o que não anula o caráter e o desejo da experimentação, mas sem uma veia dialético-ideológica.

A geração que hoje atua no universo poético de Curitiba, dá conta do recado quanto à qualidade poética?

Sim. Existem alguns bons poetas, entre os quais eu me incluo.

Na sua opinião, o que faltaria para a poesia Curitibana ser efetivamente lida por aqui e pelo Brasil?

Você parece insinuar ser contrário à minha opinião anterior. De qualquer forma, uma efetivação de leitura, é um problema brasileiro. Muitas vezes não conhecemos autores de outras praças. O caso de Curitiba é que depois do Leminski e do Dalton não surgiu um escritor tão marcante para o âmbito nacional. Já historicamente, enquanto os modernistas paulistanos deglutiam e vomitavam soluções, aqui ainda se fazia um simbolismo tardio. Em linhas gerais, o povo curitibano é refratário, mas os autores também têm culpa nisso.

Qual é a sua relação com a música? É diferente fazer uma letra de música e fazer um poema para publicação?

Minha ligação mais estreita com a música, em termos práticos, é o fato de ter poemas musicados ou ainda “letrar” melodias de parceiros. A diferenciação e a caracterização entre letra e poema é, até certo ponto, desnecessária. Para um texto poético ter aspecto de letra, deve apresentar um ritmo adequado, uma cadência (coisa que a poesia impressa muitas vezes também tem). Já o “poema”, tem que apresentar um tônus, uma materialidade, sutilezas, coisa que muitas letras possuem. Como você vê, são argumentos frágeis para um (volto a dizer, desnecessário) embate letra x poema. Antes se confundem e se alimentam; interagem.

O que há de diferente entre “eu também” (o seu mais recente livro/cd) e os seus trabalhos anteriores?

Vinha de uma experiência exuberante e de maior fôlego, o Única coisa (cd/vídeo/livro), com uma verdadeira estrepolia gráfica, inclusive. Além de a parte sonora apresentar canções, oralizações, peças sutis, outras mais arrojadas. Eu também traz uma leveza, um “peso leve”. 95% dos poemas são estruturados em margem esquerda. O cd (em que radicalizei) não apresenta canções, mas peças orais, com forte trabalho de pesquisa. A “música” aparece como elemento estrutural, em algumas peças sonoro-poéticas. No mais, a parte lírica é mantida.

Você já fez poesia concreta? “eu também” estaria pousando seus poemas num terreno concreto?

Sim. Meus dois primeiros livros (Co-lapso, 1995 e Igual, 1998) apresentam alguns poemas “concretos”, visuais. Única coisa (2000), com intersecções sonoro-imagéticas, fica nesse terreno, bem como exposições de poemas visuais, vídeos, performances etc. Eu também, como grande parte da minha produção, apresenta textos de maior fôlego - muito distante do espírito minimalista da poesia concreta -, e também a minha veia lírica e expressionista, o que me afasta do ideário concreto. Sem falarmos que o concretismo é um movimento dos anos 50.... Na verdade, o que minha poesia tem é concretude, qualidade que todo bom poema deve ter.

Qual a sua opinião com relação às revistas literárias atualmente publicadas no Brasil?

A grande maioria se repete nos editoriais. Rola muita politicagem, no melhor estilo “toma lá, da cá”. Acho que se perdeu um pouco do espírito (ainda válido, acredito) da função da revista de literatura, que é a de publicar autores fora do eixo das editoras, para com isso poder escoar a produção emergente. De maneira geral, não me agradam as revistas, com exceção da londrinense Coyote, séria, densa, isenta e honesta.

O que acaba falando mais alto na hora de se escrever um poema: a forma ou a idéia poética?

Para mim, a idéia. Desenvolvo um poema me valendo, de forma aberta, de todas (as melhores) possibilidades para realizá-lo. O que estiver à mão em termos de tecnologia (sempre a favor, aliando horizontes, nunca aprisionando), sentimento, memória, invenção, mentira, e até uma certa parcela de cinismo, se for o caso, sem me preocupar com um “estilo” como fim único.

Como você definiria o seu estilo?

Em parte, acho que respondi acima. Não apresento uma linha bem definida. Às vezes sou high tech, às vezes mais lírico.

Agora você deverá fazer uma pergunta ao entrevistador.

Como você definiria o meu estilo?
Resposta: Agora você me pegou, ein! Hummmm...digamos que você tem um estilo "Anzolin" de escrever, certo? Às vezes high tech, às vezes mais lírico.

Finalmente, fale o que você gostaria de falar, mas que, por incompetência minha não teve a oportunidade.

Gostaria que você tivesse tocado no assunto da relação entre os poetas. O público em geral, considera os vates acima de mumunhas e questiúnculas, mas na prática, no dia a dia, no vis-à-vis não é nada assim. Acontecem boicotes, puxadas de tapete, tentativas de eliminação. É uma burrice tamanha, pois tem tanta gente fazendo bons trabalhos, que é impossível, como querem alguns, se sobressair amordaçando os outros. Nesse ponto, sou completamente egoísta e egocêntrico: só me preocupo com a minha poesia.

Aguardem. Logo publicarei a resenha do livro "eu também" de Amarildo Anzolin.

segunda-feira, dezembro 06, 2004

As Cecílias do Rio de Janeiro

Chego ao Rio de Janeiro. No fundo, através da porta de vidro automática, apenas uns óculos escuros me esperam. Como manda a tradição dos encontros entre “França e Luiz Felipe Leprevost”, Luff (apelido carioca), parecia estar na entrega do Oscar para me buscar no aeroporto. Claro, com aquele jeitão dele: camisa velha dos tempos de adolescente, bermuda, chinelos havaianas e um cabelo muito, mas muito comprido mesmo. Contava-me as novidades do Rio, sempre com movimentos largos, característicos de sua afobada poesia. Chegando ao seu ap (que, por ironia do destino, fica em cima de um bar) eu já conhecia - ou pelo menos já imaginava conhecer - a figura de uma linda mulher chamada Cecília. Era Cecília para lá, era Cecília para cá, e que “você tem de conhecer a Cecília” acolá. Enfim, um carnaval de Cecílias boiando nas rasas, porém sinceras, águas de nossas conversas. Cansado de uma viagem de conexões, na qual se espera até três horas para pegar o próximo vôo, com a consciência preguiçosa aceito caminhar ao redor da Lagoa, na companhia do jornalista Paulo Polzonoff. No começo, apenas reclamo, mas no final, apesar das minhas coxas estarem assadas pelo atrito constante entre elas (sim, não é só a minha barriga que está crescendo) e dos meus ouvidos ainda estarem danificados pela pressão de um vôo entre São Paulo e Rio de Janeiro, adorei o passeio e revigorado, com os pulmões brevemente limpos, brindei o último passo com uma água de coco. O jornalista em questão comandava a compra das três águas de coco: “a primeira é dele (eu)...ele está precisando mais”. Polzonoff, que sempre julguei ser um chato, parecia-me um tio-moleque vaidoso, daqueles que adoram ensinar os sobrinhos a empinar pipas. Demonstrou possuir uma doçura diferente das venenosas linhas de seus ataques literários. Pensava eu: “quem diria que o autor do texto sobre o Mirisola ‘o cancro e o pus’ seria um cara tão gente fina...e quem diria que ele esteja me recebendo tão bem”. Dias depois, em Santa Teresa (o bairro que mais gostei no Rio) comendo uma feijoada num ótimo lugar chamado “bar do mineiro” o Polzonoff, para mim, era apenas Paulo.

Começa a anoitecer e a minha paixão pelo Rio de Janeiro começava a amanhecer. Aquelas montanhas todas, o Corcovado, o cristo, as águas, a boca banguela da Guanabara, todas as ladeiras: no limiar entre a noite e o dia, tudo atingia uma coloração de “arrombar retinas”, como diria o Chico Buarque (que infelizmente, não avistei em nenhum canto da cidade maravilhosa). Depois de alguns chopes numa churrascaria no Baixo Gávea, o Luff dá uma idéia: “França, e se o cristo se atirasse do Corcovado”. Pronto! Surgia a nossa primeira parceria no Rio de Janeiro. Fomos para casa, fechamos a música e os nossos olhos. O outro dia nos esperava com mais duas figuras brilhantes: Felipe e Sandro. O primeiro, devido a sua discrição asmática, parecia não ir muito com a minha cara (impressão que, posteriormente, demonstraria estar completamente equivocada) o outro era mais falante, ria com uma ironia benigna de quem sabe atacar pelos flancos de pseudointelectuais. Parecia aderir mais ao estilo marginal, ao qual me acostumei aqui em Curitiba. Conversei mais com o Sandro, em função da minha preguiça de conhecer e embarcar na do outro. Luff observava e aguardava o momento de fechar os trilhos da noite. Já passava das 4 da manhã e resolvemos embromar os últimos minutos da nossa pugna etílica num boteco próximo a área turística mais adorada pelo “homem branco”: Copacabana. Não poderia faltar era uma briga entre “França e Luiz Felipe”. Brigamos a valer. Mandamos um ao outro calar a boca e emburramos, deixando Sandro um pouco sem graça, porém empolgado com a drástica reação de dois indivíduos que definitivamente não levam desaforo para casa. Em Copacabana, entre putas e turistas albinos, a televisão sussurrava em nossos ouvidos: “Não precisamos de benção, temos a publicidade”. Pronto! Antes de dormir, mais uma música para o repertório.

Acho que dois ou três dias depois rolou a festa na casa da Cecília (sim, aquela do começo do texto). Sem conhecer ninguém, com um pretensioso violão nas costas, fui adentrando no ap de Cecília. O Luff já havia falado tanto sobre a menina que, confesso, fiquei ansioso em conhece-la. Surge então uma mulher, cabelos longos, com uma espécie de bata que ressaltava de uma forma furiosa as suas longas pernas: “e aí, você toca violão”. “Deve ser a Cecília”, pensei. “Sim, toco”. Trocamos meia dúzia de palavras. Simpática pra caramba. “É...o Luiz Felipe tem razão!!”. Fiquei durante uma hora dividido entre as pernas, o papo da suposta Cecília e a vista maravilhosa que dava para o Corcovado. De repente eis que a menina dá um grito incisivo em direção a cozinha “Ciça, vamos fazer uma caipira”. Enfim, a suposta Cecília (que até aquele momento correspondia ao relato empolgado do Luff) era na verdade Aline, uma menina “isssperrrta” que até um violão arranhou, num pout-porri no mínimo diferente, que misturava Alceu Valença com The Police. Conversei com todo mundo do lugar, empolgado com a reação das pessoas e embriagado com o clima festivo do ap, com destaque para um rapaz chamado Diego, que com certeza foi quem melhor desenvolveu um papo comigo lá no Rio. Conversei horas com Diego, alternando os temas: de Wittgeinstein à Tom Zé, o cara tinha saliva para tudo. Conversei com todo mundo menos...sim, menos com a tal Cecília. Simplesmente, neste dia, não consegui trocar nem um “a” com a menina, em função de um excesso de álcool no sangue dela e no meu. O único contato foi quando, num momento maravilhoso, a Cecília (a verdadeira), Aline e mais uma moça, que agora eu não me lembro do nome, começaram a dançar, numa espécie de ciranda de apartamento, que, devido às caipirinhas tomadas, lembrava a dança das bacantes. “Só falta uma cabra ser sacrificada” pensava. A Cecília da festa, a não ser pela inegável beleza física, não se parecia com a Cecília do Luff e, por conta disto, fiquei, de certa forma, frustrado pelo meu engano. E o pior de tudo é que não era só o Luff que elogiava a tal Cecília não, era a festa inteira: “a Ciça é do caralho” entoavam os integrantes deste encontro. “Nem acho!” pensava eu, secretamente.

Se não visitei mais da metade das livrarias do Rio, dei uma passada nas principais: Livraria da Travessa, Argumento, Letras e Expressões, etc. Foi na Travessa que o Felipe (aquele, com a discrição asmática) surpreendeu a mim e ao Luff, ao nos apresentar uma das meninas mais simpáticas e belas da viagem. “Gente, esta aqui é a Ana...mas não se empolguem não, que ela é lésbica”. A Ana, séria e compenetrada na continuação da farsa: “pô Felipe, também não precisa falar na cara...o que eles vão pensar”. O Felipe, naquele momento, ao invés de demonstrar a sua discrição asmática do outro dia, demonstrava uma falta de ar “siniiistra”, fruto de longas horas de trabalho e de balada. Acabamos num hospital. Próximo aos bares da Cobal, onde o pessoal das redondezas, depois do expediente, pára para relaxar com uma estranha bebida, que mistura cerveja, limão, sal e gelo, paramos o carro. Foi um dos grandes momentos da viagem, por dois motivos: o primeiro é que era inevitável, na espera do nosso colega ser atendido, conversar longamente com aquela mulher maneiríssima que era a Ana. E o segundo é que o Luff, em alguns segundos de devaneio, ao fingir ser médico, começava uma discussão com a plantonista a respeito da validade do exame feito no nosso caríssimo asmático. Estava tudo bem: a falta de ar era devido ao estresse, bastando, então, uma boa noite de sono para ser sanada. Fomos para casa, com a Ana na cabeça e com uma expectativa de encontra-la mais vezes no Rio. Para o meu amigo eterno apaixonado Luff, agora, além da Cecília, tinha também a Ana.

Nos últimos 4 dias de viagem, ocupei-me em ler um ensaio de José Miguel Wisnik sobre um conto de Machado de Assis. Wisnik nos explica que o conto de Machado em questão pode ser dividido em vários momentos, análogos a estilos musicais. Acredito que a minha viagem também. Teve o momento Maxixe, representado pela cena em que eu e Luff conhecemos a Ana. O momento Polca, representado pela festa na casa da Cecília. O momento Sonata, no qual, em uma peça de teatro maravilhosa chamada “O que diz Molero”, encontrávamos a atriz Marieta Severo. E finalmente o momento Réquiem, representado pelo último dia de viagem. No conto, este último momento é o de maior desengano por parte da personagem, que, em suma, almeja compor grandes peças eruditas, mas acaba sempre compondo polcas populares. E foi, justamente, no último dia, que se esclareceu que a Cecília, que o Luff durante a viagem inteira me descrevia, era verdadeira. Saímos para tomar café, eu e o Luff, já sem assunto para compartilhar e com um desânimo de fim de feira. Tomávamos os nossos expressos de maneira sorumbática, esperando o tempo passar. Eis que liga a Cecília e o Luff se agita, como o mar alto agitando ondas na presença inevitável da lua. “França, peraí que é a Cecília”. Com a voz mais mansa do mundo: “alô, estamos aqui tomando um cafezinho...venha então...isto...aqui no Leblon”. Cecília chega e de cara resolve mudar de lugar: “este lugar não é muito interessante”. Obedecemos à ordem da moça e começamos a andar pelo Leblon simplesmente a procura de um lugar conveniente para a exigente musa do Luff. Nestes minutos, acontecia uma coisa impressionante, ao mesmo tempo em que o tema principal do meu Réquiem começava a se configurar. Aquela Cecília era muito parecida com a Cecília descrita pelo Luff. “Nossa, ela é legal mesmo”. A cada passo, Cecília desencadeava assuntos, teses, indicações de livros, filmes e gracejos de todo tipo. Sempre rindo, sempre argumentando, sempre sendo a Cecília. Desde instalar uma revolução artístico-cultural no Rio de Janeiro, à me deixar à vontade, reconhecendo o fato de eu ser o hóspede de todos os assuntos abordados, Cecília constituía um universo único, que merecia ser fotografado de todos os ângulos. Foi o que o Felipe (aquele do pulmão sem ar) fez, depois de nos encontrar em uma padaria ali próxima, ao chegarmos à livraria Argumento. Com uma máquina digital, Felipe respirava através da imagem da Cecília. O que, diga-se de passagem, o deixou muito mais simpático. A impressão de antipatia havia esmorecido. Felipe, na verdade, era bem parecido com a Cecília. Sempre articulando, sempre rindo, sempre argumentando, sempre sendo o Felipe. Apaixonei-me por aquelas duas figuras e prometi um reencontro, num tchau estranho, melancólico até: os dois pegando um ônibus para casa e eu impressionado com o fato de só os terem realmente conhecido no último dia da minha viagem. No dia seguinte, no caminho para o aeroporto, um trânsito violento começava a gorar a minha expectativa de voltar para Curitiba. Aquelas figuras maravilhosas povoavam a minha lembrança e me deixavam com a noção de que o Rio de Janeiro vale muita a pena. A praia, apesar de cinzenta, parecia-me também acenar. Dei tchau para tudo o que eu julgava carioca. O tema do meu réquiem tocava na minha mente em forma de verso: “A melhor coisa de Curitiba, é sentir saudades de Curitiba”.

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