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segunda-feira, outubro 26, 2009

Artaud + Von Trier = O Anticristo

"O Anticristo" é um filme arriscado que resvala em questões controversas acerca da religião, da psicologia cognitiva e da sexualidade em tempos hedonistas. Com um foco claro e preciso – o processo da perda, do luto ao desespero – o filme do diretor Lars Von Trier de “Dançando no Escuro” nos coloca, como diriam os mais afoitos, “dentro do olho do furacão”. Uma mulher, que pesquisa a chacina de mulheres no decorrer da história (os motivo, as consequências) acaba de perder o filho num trágico acidente. O marido, um psicólogo que estuda métodos de terapia a partir da teoria cognitiva, resolve que a esposa não deverá mais passar pelo tratamento médico tradicional para enfrentar a perda do filho e seu luto exacerbado.

Aqui, Von Trier zomba da psicologia ao mostrar um marido arrogante e até certo ponto pedante ao utilizar, muitas vezes sem explicações coerentes, métodos e exercícios mentais para o enfrentamento da dor de sua parceira. Claro que para entender o porquê da utilização de tais exercícios, é recomendado ao expectador uma pesquisa sobre Jean Piaget e suas teorias. Para entender o filme, não. A mulher, interpretada pela excelente Charlotte Gaisnbourg, finge (sem estragar a surpresa para ninguém, já que fica claro este fingimento na tela) estar curada para o espanto do marido, que não entende muito bem aquele resultado. Ela grita “você é um GÊNIO! Veja: estou curada!”. O filme, então, parece nos dizer que nenhum tipo de racionalidade é capaz de dar conta da natureza. E é neste exato momento que um alçapão se abre sob as poltronas da sala de cinema nos levando diretamente para o inferno. Quando eu digo “inferno”, você pode lembrar de tudo: “Divina Comédia”, “120 dias em Sodoma”, “Irreversível”, etc, etc, etc.

Aliás, o filme vai mais longe ao nos dizer de maneira indireta: nenhuma racionalidade é capaz de dar conta da natureza e da mulher. Há todo momento, compara-se a natureza e seu caos incompreensível à mulher. Ir contra a sua natureza é ser o Anticristo, parece nos dizer o diretor. O percurso trágico para onde a história nos leva vai além de personagens e suas intenções. “A natureza é a igreja de satã” nos diz a mãe do garoto morto. Signos religiosos nos abrem possibilidades de interpretações a cada minuto. O que seriam aqueles animais que aparecem há todo momento? Os três mendigos? Os três reis magos? As bestas do apocalipse? Alguém vai morrer? Estes são os sinais? Fica a dúvida e a tensão da incerteza.

A dúvida do que está sendo dito, em algumas partes, parece ser a mesma dúvida do marido. Nos identificamos com a personagem de Willem Dafoe: com sua prepotência e também com o seu temor frente ao desconhecido. O longa parece ser um alerta a arrogância da ciência: a natureza é mãe e deve ser respeitada. Não lute contra ela. Não brinque com a possibilidade do caos. Não brinque de Deus, nos diz o filme. Uma névoa de horror invade nossos olhos a cada ofensiva da natureza frente aos pobres mortais. "O Anticristo", neste sentido, é apocalíptico. Nada poderá escapar da ira maior. A “igreja de satã” é também o que nos engole, dia após dia. “O caos reina” diz a raposa, um dos mais misteriosos símbolos deste trabalho.

Com interpretações nada cinematográficas, lembrando investidas de um teatro orgânico, voltado aos estudos do artista maldito Antonin Artaud, “O Anticristo” inova, tanto por levar, de uma maneira tão crua, uma linguagem já consagrada em moldes teatrais, quanto por brincar metalinguisticamente com isto, ao contrastar o falido discurso do marido com a ação visceral que nos é imposta a cada trecho desta trágica fábula “natural”. Enfim, um filme “ritualístico” para ver e entender quantas vezes for necessário.

Assista o Trailer do Filme

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