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sábado, março 17, 2007


Bem interessante a entrevista que o poeta Rodrigo Garcia Lopes concedeu ao jornal Rascunho em 2004. Acho que a minha visão sobre o que acontece no cenário poético brasileiro hoje é mais ou menos essa:

"Algo que tenho observado em parte da poesia brasileira que tem sido publicada e em antologias recentes é que ela, com felizes exceções, está muito contida, chata, livresca, pedante, literária demais. Tem uma poesia conservadora, que não me interessa. Poetas jovens que escrevem como velhos, como se estivéssemos nos bons tempos do século 19, nos idos áureos da Semana de 22 ou mesmo na era concretista, como se nada tivesse acontecido depois.

Poesia do tipo:

Nas fímbrias dos furibundos vagalhões
Sois a Carrara da pele imaculada
Nos grotões onde repousa minha erma puberdade
Lembro-me de meu pai...

Ou destilações de Bandeira:

Quando eu era menino
Olhava com os olhos tristes para a velha samambaia...
Da janela do quarto, que dava para a Consolação,
e onde eu bebia café
Via o gatinho doente na varanda do vizinho
do lado de um pires vazio.

Como escreveu o poeta William Carlos Williams: “Arte ruim é aquela que não serve no contínuo serviço de limpar a linguagem de todas as fixações sobre usos mortos, mal-cheirosos do passado”. Por outro lado, muitas vezes também tenho a impressão de que poetas diferentes estão escrevendo um mesmo poema. Digo isso em relação a um tipo de poema curto, que muitas vezes são fragmentos de descrições estilizadas (geralmente da janela de um apartamento, com o poeta entre reproduções de Mondrian, tomando chá de camomila, lendo livros chatos e fazendo cara de inteligente). Para mim, esses poemas também escondem, sob uma pretensa “concisão”, uma falta danada do que dizer.

Poemas do tipo (estou inventando agora):

A avenca, à
janela
embora (caligramas),
outra
paisagem pousa
na palavra
glamífera.


Ou ainda:

O gato, quer dizer,
(embora nem tanto)
pisa pé,
ante pé (pétala)

enfim, quase um
triciclo quebrado,
búgulo pistilo, que
edulcorasse

por sobre o vermelho
(como num quadro de
Bacon), mas
a luz do poste
na testa, que,
aprés midi,
talvez, sei lá
etc.

Quando não temos diluições pioradas de um Manoel de Barros (também estou inventando agora), como:

Quando chove a barriga da formiga horizonta a tarde.
A lesma é versada em pedra de jardim.
A perna quando puxa tubarão não tem orelha.
E a manhã estruma na canga do poente.

Acho estes tipos de poesia chatas pra caramba. Concisão, em poesia, não deve ser tanto uma questão de quantidade, mas de qualidade de dizer. Esses “procedimentos”, “fraturas” e personificações geralmente mascaram um pensamento superficial, pobre de vida, sem viço. Afinal, poesia tem que dizer alguma coisa. Talvez no Brasil a própria poesia, enquanto discurso ou anti-discurso, esteja em crise. Talvez por ser um terreno valorativamente mais indefinível e movediço, infelizmente a poesia se presta a todo tipo de picaretagem e bobagem. Na narrativa é mais difícil: fica claro quando o cara sabe ou não contar uma história, que é o objetivo. Veja bem, cada um escreve como bem entender. Só estou dizendo que poemas como esses costumam me proporcionar, como leitor, viagens muito curtas e rasas".

Rodrigo Garcia Lopes

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