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quarta-feira, março 19, 2008

Sarah Kane



- Você fez algum plano?

- Tomar uma overdose, cortar os meus pulsos, depois me enforcar.

- Tudo isso de uma vez?

- De modo que não poderia ser interpretado como um grito de ajuda.

(Silêncio.)

- Não daria certo.

- Claro que daria.

- Não daria certo. Você se sentiria sonolenta por causa da overdose e não teria forças para cortar os pulsos.

(Silêncio.)

- Eu estaria em pé em cima de uma cadeira com uma corda enrolada no pescoço.

(Silêncio.)

- E se você ficasse sozinha acha que poderia fazer mal a você mesma?

- Acho que sim e isso me assusta.

- Pode ser uma espécie de proteção?

- Sim. É o medo que me mantém longe dos trilhos dos trens. Só espero, pelo amor de Deus, que a morte seja a porra do fim. Me sinto com oitenta anos. Estou cansada da vida e a minha mente quer morrer.

- Isso é uma metáfora, não é realidade.

- É como se fosse.

- Isso não é realidade.

- Não é uma metáfora, é como se fosse, mas ainda que fosse uma metáfora, aquilo que define uma metáfora é ela ser real.

(Um longo silêncio.)

- Você não tem oitenta anos.

(Silêncio.)

Tem?

(Silêncio.)

Tem?

(Silêncio.)

Ou tem?

(Um longo silêncio.)

- Você despreza todas as pessoas infelizes ou só especificamente a mim?

- Eu não desprezo você. A culpa não é sua. Você está doente.

- Eu não acho.

- Não?

- Não. Estou deprimida. Depressão é ódio. É o que você fez, você que estava lá e você que é está se culpando.

- E você está culpando a quem?

- A mim mesma.


Sarah Kane - Psicose 4h48

Trad. Marcos Damaceno

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