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segunda-feira, setembro 21, 2009

Daniel Castellano/Gazeta do Povo

Daniel Castellano/Gazeta do Povo / “Gosto de escrever textos de teatro pela possibilidade de utilizar várias vozes, e também para inserir ruídos. Ver um texto encenado é como presenciar um mundo novo, um mundo que você criou. É indescritível”, afirma Alexandre França
“Gosto de escrever textos de teatro pela possibilidade de utilizar várias vozes, e também para inserir ruídos. Ver um texto encenado é como presenciar um mundo novo, um mundo que você criou. É indescritível”, afirma Alexandre França

O mal escondido nos corações dos homens

Aos 27 anos, o curitibano Alexandre França já publicou dois livros de poesia, gravou dois álbuns e conseguiu encenar três dos dez textos de teatro que escreveu

Publicado em 21/09/2009 | Marcio Renato dos Santos

Ainda era lua cheia de setembro, portanto, antes do dia 11, quando Alexandre França foi, sem ter provocado, agredido verbalmente por uma mulher em um bar curitibano. Ele sorriu, permaneceu em silêncio e, acompanhado da namorada, saiu do estabelecimento comercial. Foi, em seguida, para dentro do quarto do apartamento onde vive, no 18º andar de um prédio, no Batel. Fez uma canção, com letra e música, ainda sem título, sobre o acontecimento. Aos 27 anos, costuma traduzir as “marcas da maldade” em alguma forma de arte.

França, durante a entrevista, bebe uma dose de café a cada 14 minutos. Conta que é mais produtivo durante as madrugadas. No silêncio, sem interrupção, nem ligações telefônicas, já escreveu dez textos para teatro. Três deles foram encenados. Afirma que pode fazer esboços até mesmo pela manhã. Acorda, geralmente, depois das 10 horas. Não costuma demonstrar mau humor, nem se tiver o sono interrompido. Não fala mal de ninguém. “Do inimigo, a gente não pronuncia o nome.” Gosta, como ele mesmo diz, de manter um clima agradável ao redor de uma mesa, com os vários interlocutores com quem dialoga.

O lado sombrio da existência, a tristeza e temas não agradáveis ganham espaço em sua produção ficcional. A peça Final do Mês, de 2007, fala do drama brasileiro, sobretudo da classe média, que não consegue chegar ao dia 30, nem mesmo ao dia 23, com dinheiro no bolso ou na conta bancária. Já elaborou reflexões sobre as impossibilidades amorosas, o que se evidencia em meio às 15 faixas do álbum A Solidão Não Mata, Dá a Ideia, de 2006. Problematizou, mesmo que indiretamente, as transformações recentes de Curitiba, resultado do crescimento populacional, no CD recém-lançado Música de Apartamento. “O encontro dos temas se dá na minha vida, no que sinto, em como vejo e percebo o mundo.”

Caminha em cima de uma esteira escutando o álbum Five Leaves Left, de Nick Drake; fato inusitado, uma vez que a sonoridade do compositor inglês remete à introspecção, algo radicalmente diferente das músicas alegres que, em geral, estão associadas à prática de exercícios físicos. Na realidade, França gosta, e precisa, de estímulo musical. “Me faz bem.” Durante a alfabetização, já gostava mais da aula de música do que a de educação física.

Quando tinha 7 anos, a sua mãe; Maria Inês; o matriculou em um curso preparatório para a Escola de Música e Belas Artes do Paraná (EMBAP). França formou-se em Publicidade, mas nunca atuou na área. Fez aulas de violão com Waltel Branco e Mário da Silva. As unhas de sua mão direita são compridas, como as de quem costumeiramente dedilha cordas de aço e nylon.

França tem um sorriso quase contínuo no rosto, mas a expressão não é sinônimo de alegria permanente. Ri, por exemplo, ao não entender por que o repórter da Gazeta do Povo pergunta a respeito de seu prato predileto. “Massa e carne”, responde, entre uma gargalhada e um franzir de cenho. Ri, também, diante de perguntas aparentemente sem objetivo, por exemplo: Qual a sua altura? “1,78 metro.” Qual o seu peso? “75 quilos.” Pretende sair do apartamento dos pais e morar sozinho? “Mas eu me dou bem com eles”, diz, com alguma convicção.

Ele acredita em karma, em lei de causa e efeito. “Tudo o que você faz, um dia volta pra você.”

Estranha que o repórter não tenha anotado nada no primeiro encontro, que aconteceu no Lucca Café, no Batel. E fica curioso ao ver as muitas anotações em bloco de papel durante o segundo encontro, dias depois, no Paço da Liberdade, no Centro.

O artista curitibano, também autor de dois livros de poesia, conta que amadureceu muito a partir do momento em que começou a conviver com profissionais mais experientes, como a atriz Claudete Pereira Jorge, de 55 anos, e o maestro e diretor de teatro Octávio Camargo, de 42. “Aprendi, mesmo de maneira indireta, que não preciso dar ‘carteirada’ e me exibir, exageradamente (como artista). Também passei a escutar e a respeitar mais o próximo.”

França cofia a barba com a mão esquerda, sorri e pede mais um café. “Gosto de temperatura amena, nem frio, nem calor. A temperatura de Curitiba está incrível, não é mesmo?”, pergunta, antes de se despedir. Sorri, com a boca; e com os olhos.

Trajetória

Saiba quais são as obras de Alexandre França

Livros de poesia

Mata-Borrão, Batom (2003) e Toda Mulher Merece Ser Despida (2005).

CDs

A Solidão Não Mata, Dá a Ideia (2006) e Música de Apartamento (2009).

Textos de teatro já encenados

Um Idiota de Presente (2006), Final do Mês (2007) e Habitués (2008).

Internet

Ele mantém o site alexandrefranca.com.br e o blog alexandrefranca.blogspot.com.

Para o Blog do Caderno G, França apresentou uma definição sobre a capital paranaense:

“Curitiba é uma rinite que tentamos, a todo custo, curar entre edredons e livros do Dostoiévski.”


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