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quarta-feira, maio 19, 2004

Na rua

No colégio, a parede que ralava o cotovelo era mais uma destas texturas da infância. A trepadeira que subia nos muros também me abraçava. A abelha sabia que incomodava, mas no fim era uma companhia de domingo. O cheiro de pinhão nas festas de quintal, o doce do carbono empapuçando as ventas, o sabor da tarde esfacelando na língua. A gordura pingava as lágrimas da carne e o meu olhar derramava o resto da placenta da minha mãe. Agora, olhava sempre pelo buraco. As cadeiras rabiscadas com mensagens de caneta bic. Todo um arsenal de coisas na mala igualmente rabiscada. Um dia inteiro enfurnado no corredor de um corredor de um corredor. A luz branca, a pele das meninas como a camada branca do céu. Olhava sempre pelo buraco. O rosto do professor falando para ele mesmo o que nunca tiveram vontade de lhe falar quando criança. A náusea de cuspir socos em alguém, a raiva de engolir palavras de alguém. A cor cinza do quarto, que não era meu, sujava o meu peito encolhido. Meu peito espalhava a luz restante do sangue da minha mãe. Minha coragem destilada pela pelugem do meu corpo. A chuva não queria molhar minha roupa, nunca quis. A chuva queria me ultrapassar. A vida dormia na época do sol em estiagem. A vida acordava sempre em momentos de passagem.

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