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quinta-feira, outubro 23, 2008

Surras

Um garoto apanhando feito
Carne na tábua há uma quadra de mim
Não um menino de rua como querem
Os que escrevem sinopses de dvd
Um garoto de classe média
Que poderia ser um menino de rua (aqui isto não importa tanto)
Com suas roupas escolhidas
Pela mãe
E seus gestos inspirados
No pai
Seus olhos são faróis do medo
Em uma rua escura e indiferente
Ele não pede ajuda apenas
Se encolhe em posição fetal
Na esperança de nascer com
Outra cara, em
Outra cidade, em
Outro hospital
Terminado o desfile de
Pontapés, socos, insultos e cuspes
Chego mais perto, dou-lhe a mão
Ele recusa dizendo “tá tudo bem”
Pergunto “quem eram estes caras?”
Ele diz “eram meus amigos”
Seu maxilar está torto, o rosto sangra,
Perdeu alguns dentes
Eu digo “eles não são seus amigos”
Ele diz “é, eu sei. Eles ERAM meus amigos”
O garoto sai destruído e aliviado
Pensando, acredito eu
“por que não morri de uma vez?”
vou para o bar da esquina
os agressores estão lá
bebendo e sorrindo
comemorando sei lá o que
e eu poderia mata-los
um por um com uma foice
se eu não tivesse nascido
tantas e tantas vezes se
eu não tivesse surrado
garotos da minha idade
na época em que surramos e
somos surrados
se eu não quisesse morrer
agora, ali, neste exato
instante.

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