- Você fez algum plano?
- De modo que não poderia ser interpretado como um grito de ajuda.
(Silêncio.)
- Não daria certo.
- Claro que daria.
- Não daria certo. Você se sentiria sonolenta por causa da overdose e não teria forças para cortar os pulsos.
(Silêncio.)
- Eu estaria em pé em cima de uma cadeira com uma corda enrolada no pescoço.
(Silêncio.)
- E se você ficasse sozinha acha que poderia fazer mal a você mesma?
- Acho que sim e isso me assusta.
- Pode ser uma espécie de proteção?
- Sim. É o medo que me mantém longe dos trilhos dos trens. Só espero, pelo amor de Deus, que a morte seja a porra do fim. Me sinto com oitenta anos. Estou cansada da vida e a minha mente quer morrer.
- Isso é uma metáfora, não é realidade.
- É como se fosse.
- Isso não é realidade.
- Não é uma metáfora, é como se fosse, mas ainda que fosse uma metáfora, aquilo que define uma metáfora é ela ser real.
(Um longo silêncio.)
- Você não tem oitenta anos.
(Silêncio.)
Tem?
(Silêncio.)
Tem?
(Silêncio.)
Ou tem?
(Um longo silêncio.)
- Você despreza todas as pessoas infelizes ou só especificamente a mim?
- Eu não desprezo você. A culpa não é sua. Você está doente.
- Eu não acho.
- Não?
- Não. Estou deprimida. Depressão é ódio. É o que você fez, você que estava lá e você que é está se culpando.
- E você está culpando a quem?
- A mim mesma.
Sarah Kane - Psicose 4h48
Trad. Marcos Damaceno