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sábado, julho 31, 2004


Eu de uma forma expressionista (adorei a brincadeira juju)
Poesia da semana

As aranhas

Nas casas em que as crianças morrem
Entram pessoas velhíssimas.
Sentam-se na ante-sala
A bengala entre os joelhos negros.
Escutam, balançam a cabeça.

Todas as vezes que a criança tosse
Suas mãos se agarram a seus corações
E formam grandes aranhas amarelas
E a tosse esgarça-se no canto dos móveis
Alçando-se, mole como uma borboleta pálida
E se choca contra o teto pesado.

Sustentam vagos sorrisos
E a tosse da criança pára
E as grandes aranhas amarelas
Descansam, trêmulas,
Sobre o cabo de buxo polido
Das bengalas, entre os joelhos duros.

Depois, quando a criança está morta
Levantam-se e partem para outra...

(Boris Vian)
(trad. Ruy Proença)

sexta-feira, julho 30, 2004

Naquela altura de árvore é que eu conseguia me ver abrir as folhas dos dentes. Arrastar os brinquedos depois da tarde de quintal é uma cruz que se carrega sorrindo. As costelas dos bichos, quando estes se espreguiçam, sorriem. Os insetos, quando batem as asas para fazerem barulho, sorriem. O doce, quando depõe o amargo, espera outro gosto para sorrirem juntos. Eu ando sem gosto, textura indefinida, por isto sozinho eu sorrio de tudo que eu provo. O asfalto sorri para o sol quando ele nasce. Eu sorrio para a lua quando ela me deflagra. Eu sorrio para a poesia quando ela me esconde da lua. Eu sorrio para o mundo quando ele percebe que está sendo observado. Eu faço o meu corpo sorrir quando tenho a nítida sensação de que ele não existe.

quinta-feira, julho 29, 2004

A mosca que masquei de sobremesa, a mesa posta para os gafanhotos do céu da boca, a plantação de sangue da minha língua, a terra molhada de lágrimas da minha retina, as unhas amarelas de tanto fumar, o sabor de húmus das ondulações do ar, o meu corpo se espreguiça ao torcer as porções nervosas que ainda não sentem, o umbigo mostra a língua para os que não me admiram, os besouros do fígado aplaudem o próximo gole, as minhas pernas não andam como pede as joaninhas dos coágulos do cérebro, as formigas que rodam as esquinas do estômago, a aorta vomita medo a todo instante, o jardim de fel das cozinhas dos rins, as nódoas das paredes do que ainda não aderiu, as corcovas de espanto do intestino grosso, a morada do escuro no meu corpo interno.

Encarei o avesso com álcool e pedi mais uma porção de aranhas para o jantar.

 

Depois de encarar o avesso, nenhum veneno em meu corpo conseguiu vingar.



quarta-feira, julho 28, 2004

Como construir o céu em dia de estrelas?

segunda-feira, julho 26, 2004

Sempre numa cadeira de rodas, trabalho sem ao menos cumprimentar a calçada. Urge ser o computador e transformar pedras em faíscas de imagens. Na cozinha, o café é um metal usado. Enferrujar faz parte deste trabalho. Pulsar o coração a hora que quiser é uma virtude que se aprende quando se tolera todo tipo de óleo.

quarta-feira, julho 21, 2004

Os móveis encobertos pela capa plástica são noivas à espera de um altar.
Os tacos do piso rabiscado pelos movimentos de um tempo que nunca foi meu.
A casa cimentada por um olhar fechado.
Os livros quietos nas caixas da mudança.
Resolvi encaixotar-me em mim.
 
(Luis Alceu, isto aí que eu acabei de cometer foi inspirado pela nossa conversa de ontem. Se por ventura ler, um forte abraço.)

segunda-feira, julho 19, 2004

Eu não sirvo para você, eu sirvo para o mundo, por que o mundo ainda me aguarda e você nunca me aguardou. Eu não espero o melhor momento, eu faço. Se for para perder eu perco, se for para ganhar eu ganho, se for para entender eu entendo. Nunca fui bem tratado, com honrarias e pétalas de rosas no ar do meu destino. Assim, eu não paro, não pela esperança da glória, mas pela convicção do próximo momento.
 
Se o amor me enganou é por que eu precisei ser enganado.

sexta-feira, julho 16, 2004

Acho que os versos a seguir definem bem o que aconteceu ontem.
 
"A vida leva e traz.
A vida faz e refaz.
será que quero achar
sua expressão mais simples?"
 
(josé miguel wisnick)

quinta-feira, julho 15, 2004

Sou como a chuva quando as pessoas não querem se molhar nela.

(eu e bruno oliveira)
desculpa esfarrapada à alguem que gosto demais (isto em menos de um mês)

Odiava chegar em casa atrasado. O meu horário era marcado pelas piscadelas que as sombras usavam para distrair meu sono. Chegava atrasado e perdia o final do desmaio. Chegava atrasado e me perdia. Atrasava a minha vida com desleixos atrasados, com observações atrasadas, com sentimentos atrasados. Chegar atrasado implicava em mimeografar tudo que foi vivido na noite. A noite tem uma hora para acabar e eu percebo quando ela me deixa sozinho. Eu sei quando a sua sombra não mais me distrai. Daí eu me submeto às cavernas artificiais de luz pela metade. É a partir da tristeza que a felicidade se revela plenamente. Hoje senti o meu edredom como quem sente a mão esquentar na água da torneira. A minha pele agradecia à minha suavidade programada. A lua, muitas vezes, me esnobava e hoje a olhei como quem olha para o sol a procura do seu real contorno.
"O mundo caquinho de vidro
tá cego do olho
tá surdo do ouvido"

(andré abujamra)

Pior que, no final das contas, a gente sabe por que nos tratam mal.

terça-feira, julho 13, 2004

Robert Lowell é sempre de arrepiar.

"They had died
when time was open-eyed"
(Robert Lowell)


será que eu vou tomar jeito só quando morrer?
Ainda me falta uma falta de respiração...
Marcelão, saca essa letra do Cazuza. Acho que responde as nossas inquietações (ou as minhas) de ontem. A maneira como ele procura "alcançar" a moça da poesia tem tudo a ver com a maneira com que alguns artistas buscam alcançar a arte. Ou como você disse que eles tentam alcançar. Se você estiver lendo, um grande abraço.

Blues do Iniciante

Eu traço tantos planos
Brilhantes
Antes de te ganhar num salto mortal de iniciante
Na pirraça de te ter

Por enquanto
Por enquanto

Eu miro o índio que eu sou
No teu ser e alcanço
Viagens tão óbvias
Loucuras tão sóbrias
De um iniciante
De um iniciante
De um iniciante

Aprendiz das piscinas
Tão tingidas de escuro
Aonde peixe safo eu nado até você
Até o teu mundo
Que eu também procuro
Nesse quarto sem luz
Nessa ausência de tudo
Se prepara, eu to loki
Só precisa de um toque
De um iniciante.
De um iniciante
De um iniciante

Eu faço tantos planos...

(Cazuza)
A minha solidão hoje sorriu diferente, ela doeu meu choro contindo. A minha solidão foi surpreendente, me mostrou o que eu sou quando estou comigo. Hoje chorei como quem caminha para casa. Sou aquele cara interessante, a viver com a solidão do lado, a cumprimentar os outros sentimentos de longe. A me achar bonito nos outros. Hoje a solidão me machucou, pois revelou a sua doença de permanecer para sempre nos meus olhos. A solidão me falou baixinho no ouvido as minhas dúvidas. A solidão foi cruel esta noite, ela me contou o que eu sou nos mínimos detalhes. Eu não quero isto para ninguém. Não façam como eu, não levem em consideração o que a solidão fala. Pois eu hoje ouvi a solidão e acreditei que eu não servia para nada. A solidão não mata, dá a idéia. A minha solidão se diz minha amiga, mas me faz dormir num lugar sujo com um ser humano solitário. A solidão mora em quem ela quer. As pessoas não tem a escolha de rejeitá-la. A solidão come o nosso melhor pedaço, espera os outros comerem a carniça da alma. A nossa solidão não tem calma, lambe o prato até o suco da vontade. A solidão que eu tenho eu não recomendo para ninguém, até por que foi eu quem a criou. A solidão não demora em narrar-nos o momento. A solidão nos causa sofrimento sem querer.

A solidão adulta permanece acordada, mesmo quando dormir é inevitável.

segunda-feira, julho 12, 2004

Falo com todas as partes do meu corpo, assim como a minha boca configura o objeto que eu quiser no mundo. A minha opinião insiste em dizer as palavras que sustentam a argamassa da minha argumentação. As minhas palavras existem para serem faladas...
...mas qual palavra tem dono?

sexta-feira, julho 09, 2004

para quem não tenho mais vontade de dizer que gosto

Gosto de falar palavras assim como gosto de beijar bocas. Não tenho medo da rua em dia de chuva. Escorro em todos os lados de Curitiba assim como escorro em todas as paredes que serão construídas no papel. As bocas todas esperam serem beijadas. As palavras esperam serem faladas há todo momento.

quinta-feira, julho 08, 2004

                   

                   

                   

                   

                   

                  diz













                   

                  Poema antigo hoje dedicado à parte dadaísta da exposição “sonhando de olhos abertos”.



quarta-feira, julho 07, 2004

Uma linguagem que corte o fôlego. Rasante, talhante, cortante. Essa deve ser a linguagem do poeta.

Uma linguagem de aços exatos, de relâmpagos afiados, de agudos incansáveis, de navalhas reluzentes.

Uma dentadura que triture o eu-tu-ele-nós-vós-eles.

Um vento de punhais que desonre as famílias, os templos, as bibliotecas, os cárceres, os bordéis, os colégios, os manicômios, as fábricas, as academias, os cartórios, as delegacias, os bancos, as amizades, as tabernas, a revolução, a caridade, a justiça, as crenças, os erros, a esperança, as verdades... a verdade!

Octavio Paz
sugestões para ontem

Dobro paredes e construo atalhos sem deixar migalhas. O chão do seu espaço não aceita buracos, mas se deixa engolir. As cordas de cipó da sua saliva, o suco do meu raciocínio, o copo e o bar: invento a cada piscada uma vontade de fumar. A raspa verde do musgo das minhas velharias cega os caminhos dos períodos. Beijar é um ofício inerente ao abraço. O cheiro dos momentos não envelhece. Estar com a pessoa do lado é igual à espera de estar com esta pessoa do lado. Andar com uma pessoa do lado é sobreviver aos labirintos do toque.

Dormir depois de encontrar quem se gosta é saber observar as coisas dentro de um sonho.
mudanças

Ontem à noite, o amigo Luis Alceu me alertou para o tom farmacêutico da palavra “epiderme” devidamente despencada na minha última canção. Decidi trocá-la por “o amargo e o doce”. A conversa rendeu Lulo. E a música ficou mais bamba que a gente voltando para casa.

terça-feira, julho 06, 2004

Bicho cabeludo a procura da clausura do casulo, de madrugada cuspi um futuro de borboletas. Bicho cabeludo pisando o chão como quem a passos largos pisa no próprio coração, prendi com os lábios as arestas das coisas. Bicho cabeludo ingênuo na caixa de fósforos da criança, queimei junto com o cigarro. Bicho cabeludo com úlcera de tanto tomar tempo, perdi os cabelos em função do espaço. Bicho cabeludo, queimo as carcaças enquanto não coloco a minha vontade no seu corpo. Feio e cabeludo, rumino as texturas de plástico do trabalho. Ontem eu não dormi, pois engoli minha cabeça como quem engole a vontade do sono em função de um beijo de boa noite.
Poema do dia (depois de uma madrugada inteira escrevendo monografia de administração)

O Relógio

Quem é que sobe as escadas
Batendo o liso degrau?
Marcando o surdo compasso
Com sua perna de pau?
Quem é que tosse baixinho
Na penumbra da ante-sala?
Por que resmunga sozinho?
Por que não cospe e não fala?

Por que dois vermes sombrios
Passando na face morta.
E o mesmo sopro contínuo
Na frincha daquela porta?

Da velha parede triste
No musgo roçar macio:
São horas leves e tenras
Nascendo do solo frio.

Um punhal feria o espaço...
E o alvo sangue a gotejar,
Deste sangue os meus cabelos
Pela vida hão de sangrar.

Todos os grilos calaram
Só o silêncio assobia;
Parece que o tempo passa
Com a sua capa vazia.

O tempo enfim cristaliza
Em dimensão natural;
Mas há demônios que arpejam
Na aresta do meu cristal.

No tempo pulverizado
Há cinzas também da morte:
Estão serrando no escuro
As tábuas da minha sorte.

Joaquim Cardozo

segunda-feira, julho 05, 2004

Na chuva, as pedras sorriem para a umidade dos passos. A rua molhada espera molhar quem nela pisa. Dia de chuva, as coisas se voltam a paralisar os movimentos da paisagem. Hoje, as coisas mudaram o rumo das palavras. Se não chover quando eu voltar do trabalho, um poema irá encharcar os objetos ao redor.

domingo, julho 04, 2004

Os blogs estão saindo da tela. O primeiro braço a invadir quem quer que seja será lançado pela editora barrancuda. Quando chegar em Curitiba, valerá a pena conferir.

sexta-feira, julho 02, 2004

O sorriso de uma pessoa é a lambida que um cão dá em seu dono. No seu caso não há dono de ninguém, só você a esparramar o branco dos dentes no meu rosto. No acordar das cores do estalo dos seus olhos, me acostumo a afundar. Ter um novo amor a cada semana é afundar as horas no espaço. Você é a única de um mês.

A saliva do carinho de um cão é sagrada.

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