intimidação
já estou imaginando
o que se passa na cabeça
de uma pessoa como esta
na fila do cinema, atrás de mim
a me cutucar com o dedo indicador
até furar o tecido da pele
até incomodar os órgãos adormecidos do corpo
até provocar a minha ira nietzschiana
até que eu não durma à noite com medo
dos insetos que não foram convidados
para a festa silenciosa do meu sono.
ela deve pensar:
"ele me reconhece
ele me quer por perto,
ele sabe que gosta de mim"
daí eu me pergunto:
quem a quer por perto?
daí eu me respondo:
o mundo não é uma máquina de perguntar
eu não estou fazendo este poema
pra você nem pra ninguém
eu posso muito bem
não estar pensando em nada
neste exato instante
eu posso planejar o seu assassinato
mas eu não lhe dei esta intimidade
.
Blues Curitibano
sábado, outubro 28, 2006
quinta-feira, outubro 26, 2006
não vou atender o telefone (para Bukowski)
enquanto uma britadeira
de gelo e copo
trava uma guerra sangrenta
contra o silêncio do meu quarto,
um cachorro poodle,
abandonado por seus donos,
tenta uma investida contra
um mendigo sem dono
e sem cachorro.
agora mesmo
enquanto o mendigo
termina de assar este cão branco e mimado
eu tenho um medo canino
de que aquelas pessoas
estendam as suas patéticas e previsíveis mãos
para mim.
e tenho pesadelos
com mães solteiras
me perseguindo pela manhã cinza
de Curitiba
com gordos bebês de colo
com caras gordas de desgosto
exatamente com a minha cara de desgosto
com feias varizes nas pernas
com os seios caídos, com as mãos calejadas, com manchas escuras no rosto,
com uma música brega no fundo,
com uma forçada alegria
de programa de auditório.
estes dias mesmo
uma mulher me ligou me dizendo:
- gostaria de convidá-lo
para um mesa de discussões aqui na universidade
- não participo de mesa de discussões.
- então o senhor não gosta de ser testado?
não falei o que me veio na mente,
esta gente é perigosa,
sem dúvida ela planejava
o meu apedrejamento
em praça pública.
enquanto uma britadeira
de gelo e copo
trava uma guerra sangrenta
contra o silêncio do meu quarto,
um cachorro poodle,
abandonado por seus donos,
tenta uma investida contra
um mendigo sem dono
e sem cachorro.
agora mesmo
enquanto o mendigo
termina de assar este cão branco e mimado
eu tenho um medo canino
de que aquelas pessoas
estendam as suas patéticas e previsíveis mãos
para mim.
e tenho pesadelos
com mães solteiras
me perseguindo pela manhã cinza
de Curitiba
com gordos bebês de colo
com caras gordas de desgosto
exatamente com a minha cara de desgosto
com feias varizes nas pernas
com os seios caídos, com as mãos calejadas, com manchas escuras no rosto,
com uma música brega no fundo,
com uma forçada alegria
de programa de auditório.
estes dias mesmo
uma mulher me ligou me dizendo:
- gostaria de convidá-lo
para um mesa de discussões aqui na universidade
- não participo de mesa de discussões.
- então o senhor não gosta de ser testado?
não falei o que me veio na mente,
esta gente é perigosa,
sem dúvida ela planejava
o meu apedrejamento
em praça pública.
Comentários
então, minha gente, tirei os comentários aqui do blues, mas não a possibilidade de comentar. se alguém quiser fazer algum comentário (crítica, elogio, pentelhação, escracho, etc...) mande um e-mail para alexandregfranca@hotmail.com devidamente identificado, beleza? É isto.
terça-feira, outubro 24, 2006
Um cara
Tem um cara aí em cima
Tocando uma reforma
Com um martelo de aço
Pregando pequenas reproduções de Picasso
Nos buracos da encanação.
Ele me irrita profundamente
Cravando pregos em machucados
Que parecem buracos
Mas que são apenas a má-digestão
Do dia seguinte.
Tem um cara aí em cima
Que deu uma reviravolta
Ouvindo Paulo Vanzolini
Num bar de rodoviária
Com um copo de cerveja quente
Esbravejando para os vira-latas
E repetindo a frase “eu posso”.
Agora
Ele não cansa de bater
Uma vitamina pela manhã
Agora
Ele não cansa de escutar
Músicas de relaxamento.
Tem um cara aí em cima
Que me quer morto
Por que eu critiquei o Oswaldo Montenegro
Por que a sua mãe me deu mole no elevador
Por que ele não pode mais
Ter um copo de vodka nas mãos.
Tem um cara aí em cima
Que quando eu reclamo
Ele só sabe me chamar de bêbado.
Tem um cara aí em cima
Tocando uma reforma
Com um martelo de aço
Pregando pequenas reproduções de Picasso
Nos buracos da encanação.
Ele me irrita profundamente
Cravando pregos em machucados
Que parecem buracos
Mas que são apenas a má-digestão
Do dia seguinte.
Tem um cara aí em cima
Que deu uma reviravolta
Ouvindo Paulo Vanzolini
Num bar de rodoviária
Com um copo de cerveja quente
Esbravejando para os vira-latas
E repetindo a frase “eu posso”.
Agora
Ele não cansa de bater
Uma vitamina pela manhã
Agora
Ele não cansa de escutar
Músicas de relaxamento.
Tem um cara aí em cima
Que me quer morto
Por que eu critiquei o Oswaldo Montenegro
Por que a sua mãe me deu mole no elevador
Por que ele não pode mais
Ter um copo de vodka nas mãos.
Tem um cara aí em cima
Que quando eu reclamo
Ele só sabe me chamar de bêbado.
segunda-feira, outubro 23, 2006
sábado, outubro 21, 2006
mais uma vez
estou dentro de alguém
como se eu olhasse
uma amiga no olho
e pensasse "estamos no fim".
mais uma vez
tirei sarro do amor
como quem atormenta
o irmão casula
e me rendi a lei de uma mó
que enforca e quente circula
idéias televisivas
em nossa mente-classe-média.
mais uma vez, amiga
você reconheceu que nenhuma luz
foi acesa ou apagada
e que nós precisamos de nós dois
numa célula um-ao-outro
onde o claro e o escuro não existem
onde se nasce mais de uma vez
e se morre carne
por dentro.
este cheiro asséptico
de preservativo
é mais uma chuva imprevista
do outono desprevenido
da depressão pós ressaca
do marca-passo dos dias.
mais uma vezestou dentro de alguém
como se eu olhasse
uma amiga no olho
e pensasse "estamos no fim".
mais uma vez
tirei sarro do amor
como quem atormenta
o irmão casula
e me rendi a lei de uma mó
que enforca e quente circula
idéias televisivas
em nossa mente-classe-média.
mais uma vez, amiga
você reconheceu que nenhuma luz
foi acesa ou apagada
e que nós precisamos de nós dois
numa célula um-ao-outro
onde o claro e o escuro não existem
onde se nasce mais de uma vez
e se morre carne
por dentro.
segunda-feira, outubro 16, 2006
Texto de apresentação do livro dos Iconoclastinhas.
O povão é grande mas não é dois?
Músicos tocam juntos, poetas escrevem e como poesia pode ser qualquer coisa, até conversa entre pessoas inteligentes, o França e o Leprevost resolveram levar alguns leros. Olhem bem, os dois iconoclastinhas são aqueles ali no fundo do bar. Estão ali há horas, bebendo e fumando. Só param pra rir. E pra mijar. O magro e o gordo, asterisco e obelisco, duas antenas captando, raptando idéias, conceitos, ícones, delírios, fantasias, pequenas epopéias do cotidiano e colocando no papel. Flashs, eles não perdem um. Parece que estão ligados a tudo e a todos. Epa!... essa frase é minha ... ladrões... ah...então é assim?! Remixar a vida, cortes, edição, a contribuição milionária de todos os erros? A genialidade que soma o que somos e faz a multiplicação dos milagres? A vida reinventada, o perfil inédito através do que é fútil? Pode ser, mas pode ser também que seja mais do que pó de ser. O que eu sei é que eles se apropriaram do discurso simbolista de Curitiba e como bons iconoclastinhas partiram pra destruição das imagens.
Sim, foram eles, você não sabia? As provas? Estão todas aqui reunidas. E cada poema deste livro deve ir a julgamento popular. Afinal, eles estão falando de nós. Sim, não há dúvidas. Atentem para o coloquial dos versos, é nosso esse tom, é isso que dizemos todos os dias. Esses dois incorporaram o povão, meteram o bedelho na nossa vida e cutucaram a ferida com vara curta e grossa. Nossos segredos, fraquezas, mesquinharias, pequenas hipocrisias, para esses poetas não passam de matéria-prima. Isso não pode ficar assim. Ou pode e deve?
Leia com atenção, cada detalhe, minúcia, delícia, lágrima, riso, toda maravilha, miséria, é uma imagem do nosso espelho, que eles, sem dó nem piedade, estão quebrando. E não adianta colar os cacos, se você fizer isso, vai dançar; e eles, rindo da tua cara, certeza, vão requebrar.
Antonio Thadeu Wojciechowski
Poeta e compositor.
terça-feira, outubro 10, 2006
Primeiro canto do poema "mordendo a língua"
I
O dia em que o Diabo fez uma proposta a um velho Lingüista.
O meu quarto de brinquedos.
Livros de cores diversas contrastam
Com montanhas de xerox.
Nada melhor para digitar do que ler.
Entrar em ritmo.
Mentir para si mesmo.
O coração em banho-maria me viu dormir
E agora sabe dos meus truques de escrever.
Da sacada,
Olho para os prédios:
O céu agora é uma peça de encaixar.
Tolice!
A madrugada em minha casa tornou-se uma velha.
Nada se completa.
Abro a geladeira e as suas mechas geladas também são idosas.
Olhar para o iogurte que será tomado
é olhar para as próprias estruturas movediças do interior do corpo.
Adeus cigarros,
Adeus cafezinhos de fim de tarde,
Adeus chope com os amigos,
Adeus madrugadas não dormidas:
O meu conteúdo está inteiro minado pelos costumes.
Ainda tento entender a minha vaidade de escrever um poema que contenha o tempo.
Uma vaidade sim! Isto pouco tem a ver com o meu passado.
Babo todo tempo do mundo no pasto mal cheiroso do meu passado.
E que se dane!
Meu organismo apenas processa a pastosa e fácil massa de resíduos,
Ditos saudáveis pelas revistas semanais
De inutilidades. E que se dane!
Ponho-me a caminhar pelo baixo batel e descortino anos de impertinência.
Nada passou batido nesta máquina de fotos:
Poses, trocadilhos e nomes,
Pousaram os braços em minhas letras.
E eu solto o latido neste final de voz.
Não economizo as cordas vocais.
Mando tudo para todos os lugares e
Me acostumo a indecisão do todo.
A vida não exporta a alegria aos outros seres.
Se é ser,
que se faça por si mesmo.
Nada parece adiantar a falta de viço que as articulações impõem a necessidade de lembrar (ou de não lembrar de nada).
É velhaca a luz que nos dá a liberdade de escolha.
Ela existe para enfeitar paisagens e buracos
Os buracos que formamos no decorrer da vida.
Buracos como os outros idênticos e pasteurizados buracos que a vida nos impõe.
Alçapões enferrujados usados para pegar a nós mesmos
Na esperança de se obter um pedaço da alma
Para se experimentar antes da manhã seguinte.
Engraçado me lembrar agora destes jantares.
Na lembrança do meu jantar de formatura,
até os cristais me parecem familiares e quebradiços.
Podem quebrar ao menor grito ou manifestação de agora.
É o que acontece. Que se dane o rosto inteiramente cortado.
Talhado com a compostura que uma farsa destas merece.
O que me deixa encantado é a beleza da descompostura
que um copo cica me provocava.
Encantava-me a descompostura que a aurora recebia os meus.
E eu admirava a sonoridade da panela de pressão.
O que na manhã era maravilhoso era ler o jornal e desmaterializá-lo em função da imagem humana.
Hoje, vejo exaustivamente televisão na tentativa de me tele-transportar a um tempo que já não é mais o meu.
O que de fato fica,
são estes entalhes de fanfarrice que a vida nos permite.
Deixo o tempo brincar com as incrustações de suas páginas-pele.
E me descubro um bloco de notas amarelo.
Cada nota uma ruga sutil
A reverberar a existência
Ou a falta dela.
O que guardar nestas velhas caixas?
Por que não desarrumei a mudança?
Ainda meus documentos pesam nestes compartimentos imunes a qualquer culpa.
A minha culpa,
A culpa que eu insisto em ter e reter no passar de capítulos.
A forma barroca de controlar tudo isto
Está nas manchas que a minha mão ostenta como troféu de uma velhice
Quase acabada.
É como uma corrida no deserto
Onde multidões de grãos de areia
Acompanham as formas de existir, inexistir e desistir.
O que me importa agora as oposições?
Se mais uma vez a vida me faz falta.
A minha vida se comporta como um pai que
É sempre uma lacuna
Por trocar os seus
pelas viagens.
Um copo de água,
Um copo de canetas,
Um copo de solidão agora desaba as lágrimas
Que há tempos eram entornadas para dentro.
Transbordar é a face feliz de um rio.
Sou um rio que corre relativamente satisfeito com o que foi realizado.
Um rio morno e limpo por que esquecido.
Depender da metáfora
Foi o meu maior erro.
Muitas vezes
Viver sem em nada pensar
é uma maneira prática de apagar os erros.
Seria idiotice me confundir com um destes velhos móveis?
A minha consciência esta completamente mofada.
Já estou automatizado, mesmo aqui escrevendo este poema,
Que é na verdade uma charla mal construída. Logo você se tocará do tempo que perdeu! Pois este poema contém, pelo menos, o seu tempo perdido.
E isto é um entidade.
Ser uma entidade já não parece um júbilo,
Mas uma sangria de velhas imagens reutilizadas.
Eu me reutilizo na preguiça do existir.
Faço as mãos darem as mãos às minhas mãos.
Troco o andar pelo andor da tarde.
Desperto o vegetal em mim.
O vegetal que sempre pousou leve em mim.
E se eu morresse mais cedo?
Se eu dependesse do antes da minha carência?
Este descontrole me envolve
E descubro que a perda do senso
Revigora a vontade de existir.
A luz do dia não soa ao cair da tarde das almas.
Como é perder a alma?
Pois eu conto a você como é deter uma alma.
Matar dá esta impressão.
A impressão do nada como um objeto.
O nada como um sabor.
O nada como o quente e frio.
O nada com braços e pernas: a morte.
Há de se ter olhos suficientes para ver todas as mortes andarem.
Todas as mortes se cumprimentarem.
O meu livro de recortes de jornal me acalenta em insônias como estas.
Remonto o dia com as notícias que quero.
Sou ranzinza, preciso deste mimo.
Este sufoco que eu impus a minha respiração.
Quero a paz do afogado
Que finalmente fez parte do mar.
Quero fazer parte de algo e descansar.
Dormir.
A mãe abre a porta
Para conferir se o filho já chegou
Existo por alguns segundos
Por um fiapo de admiração
Será fácil perceber
Que estou morrendo?
Ligo a televisão.
Em todos os lugares eu ligo a televisão.
Nos bares e lanchonetes,
Nas feiras de artesanatos,
No aeroporto internacional,
Antes de dormir
Eu ligo a televisão e dou boa noite a minha solidão.
Não é a toa que este dia rime com solidão,
Pois ainda lembro de você quando sem querer
A novela liga a televisão do fim de meus dias.
E quantas tardes desperdiçadas com tratados e coisas mortas.
Não é necessário falar meu bem,
Eu ainda durmo com a falta de seu calor em minha cama e com o som da televisão ligada.
A oposição que sinto crescer nestes horários:
A minha vida e a sua morte.
É a fabula que tento reproduzir nas beiradas do crepúsculo, esta esperança de um ontem que não acontecerá. E tudo isto por que eu a amo. Amo todas as nossas coisas e amo morrer em paz para a encontrar a sós.
Nada mais justo do que o tempo me dar a mão.
Caminhemos nesta ciranda, amor.
Já é chegada a hora do tempo desinteressar.
Na rua de baixo já sou uma sombra idosa.
Invento uma bela velhice para demonstrar em meu quarto.
Nada do que havia escrito, nada do que havia falado cabe nestas lacunas de pele.
Sobre as moedas do troco eu me jogo e esbravejo: um gole desta xícara de nada.
E tomo, engulo o nada como chumbo em calda.
Sobrevivo como um piolho-de-cobra a deriva no assoalho do pensamento mortal.
O que quer que eu dirija?
Um carro, uma moto, a filosofia inteira?
É distribuir beijos na chuva esta poesia
É catar pingos de lua esta poesia
É envelhecer com os pregos esta poesia
É ser a ferrugem esta poesia
É sobrar no alto dos restos solares esta poesia
É embebedar as estrelas esta poesia
É confessar a morte já anunciada esta poesia
É perceber que nada atrapalha o fluxo de tudo existir nesta poesia.
Ah, noites de curvas imperfeitas e sábios beberrões
Ah, claridade de vento do ventilador de teto
Ah, média requentada na barriga do velho esclerosado
Ah, multidão de sem-tetos que batem a minha porta, que infestam a minha rua.
Eu estou completamente tomado pela cafeína, cocaína, nicotina, pela tinta de qualquer vício.
Me iluda mais um pouco, leitor imaginário.
Pois sou esta sombra que baila de parque à parque
Destilando o seu incomodo
Acumulando desgosto e alterando o fluxo deste adubo de vida.
Sou eu que faço você sorrir do desgosto do mendigo.
E eu gosto do gosto de todos os gostos amargos
E eu já acostumei a língua a esta ilha de flores encarniçadas
Boto o chapéu e saio a procura da amada.
Quem não teve a amada, quem não a possuiu?
Vem cá que eu o conto como é o gosto de pele e o mostro o porquê do amargo.
É esta cidade que eu vejo do alto.
Combustão de carros e cores, ferrolhos abertos, campainhas em surto frenético de rebeldia, os tímpanos pegando o fogo de prometeu, os tímpanos deitados em fogos de musas esquecidas, loucas, Cassandras perdidas no asfalto deste pensamento senil e ardiloso, um ranço de bebida falsificada, uma corisa incandescente, os lábios tortos de chicletes, balas, doces, desinfetantes bucais, água boricada, chacina em massa dos senhores da morte, dos meus companheiros Mortes.
Limpo estas intenções com o pano das pálpebras e a vejo, ainda com vinte anos, lambendo as carnes da ampla carne do tempo, pois eu ainda a tenho, e a venero, e a condeno a ser minha, como minha é esta poesia que já é das coisas, do mundo, do universo e das pessoas, dos animais invertebrados e vertebrados, pois eu te amo e é de todo ser humano provar certas coisas no cemitério, em qualquer enterro, em qualquer velório, sou esta carpideira de língua absorta e nojenta e asquerosa, pois eu não a tenho e não há outra forma de não anunciar a minha velhice escrota, esta caminhada louca para o nada, pois me resta pouco e pouco é o que alimenta as vértebras, a falta de osteoporose, a renite alérgica, a desculpa esfarrapada, a vergonha de não ter absolutamente nada a dizer diante do mar, diante de um espirro de Deus, frente à oposição que me faz o que sou, frente ao que me faz dizer “não me deixe sozinho, amor, não me deixe”.
A balança anuncia: cento e poucos quilos.
A minha alma era tão magra, seus cachos espaçosos.
Tive a coragem de chorar e de não chorar quando necessário.
Vê esta ferida debaixo dos olhos?
É uma das lágrimas que secou solitária, porém fescenina.
Não criei meninas em meu peito, soprei cabelos de mulheres,
Soprei verdadeiras feridas.
A varanda abre seus braços, me larga na respiração do mundo e ainda assim espero respirar o perfume de uma flor suburbana de quintal.
Um desejo derradeiro, talvez.
A minha frenologia do frenético:
Grito e assalto o eco das equações impossíveis,
De tudo o que não irei descobrir,
Pois a vida é também este render-se no rendez-vouz do infinito descobrir.
Acabou e vou dormir e nada mais de descobrir, descortinar, desbraguilhar, desatarrachar, desenfrear, desarmar.
Não se contenta em apenas existir, velho chato?
Não! Milhões de vezes Não! Gosto de negar; negar me dá poder de me afirmar frente à estes idiotas sem consciência e dor.
Não, pois tenho a minha dor que sei muito bem como cultivar.
Quer simplesmente vomitar o passado para fora?
Ter as idéias depositadas em cada célula do corpo?
Ser o mestre Yoda de todas as gerações
Que não sabem ainda a que ponto um ego pode inflar?
Neste caso,
nado com os gregos rumo a alguma guerra;
O destino é um inimigo visceral,
Não me rendo a Guerra nas Estrelas,
Remonto a Ilíada.
não se engane com esta certezinha de dor que você já tem.
O destino é um vírus que o mata sem saber por quê.
Envelheça.
Envelheça de uma vez.
Mas ainda me vejo,
doido e nu pelas ruas da cidade que sempre me desprezou.
Eu gosto do desprezo como quem gosta de mosquitos a rodar por uma suculenta bolsa de sangue noite afora.
Por que eu mesmo agora rezo para que me ataquem as moscas e as pessoas com suas asas pegajosas.
Eu não desprezo mais a dor, eu a quero.
Gostosa e fogosa pela minha pele enrugada e muito pouco saudável.
Pois sou mesmo esta língua a corrompê-la pelos vãos destas sarjetas de mulher.
Sou mesmo estas notas que Bach destila com uma sabedoria de messias.
Sou mesmo este sol que ofusca a mente em dias de eclipse.
Venha galopar neste louco alucinado que sonha com garrafadas e mais garrafadas de ejaculação sobre a sua face sem dor e arrependimentos.
Pois você é a dor.
Pois é assim que gozarei a parte final da minha desastrosa comédia romântica.
Gozando na sua boca, nos seus pensamentos, na sua falta de dor, de remendas e band-aids.
Venha dor,
Vamos macular o que sempre sonhamos macular, querida dor.
Vamos acordar este ódio que há tanto tempo ficou reprimido na sala 1 dos nossos corpos chamada “sociedade”.
E vamos sim beber até arrotarmos o arrependimento de Deus.
Vamos nos espalhar feito praga a influenciar jovens e crianças.
Vamos chamar a polícia sem motivo algum,
o hospício, o inferno, todos os infernos...
...ahahahahahah, mas de que me adianta isto agora,
Sou uma figura deplorável mesmo.
Anos e mais anos escrevendo sonetos e agora
Do nada
Querendo dar uma de libertário contemporâneo.
Só faltava eu estar escrevendo esta porcaria em inglês.
Ah, universidade, com seus nefelibatas de pensamentos pré-fabricados,
Ah, positivismo de gaveta, máscara fútil de ideal capitalista.
Ah, o dinheiro e o seu cheiro de buceta lavada.
Ah, o licor de tudo que é pago.
Ah, a minha vida que quer ser paga em três vezes se possível para demorar mais.
Ah, caça-niqueis chamado amor.
Engulo quantas balas halls for preciso, amor, e desativo todas as senhas que o corpo possui para te ter.
E venerarei todas as pedras que combinam com os seu signo, seu rosto, seu dia, seu eu.
Pois debaixo da cama ainda sobra um pouco de ego,
Em segundos deflagramos este maravilhoso chaveiro-ego
E nos adoramos até dizer chega e trepamos de lado, você rebolando feito uma louca atrevida e completamente depravada, com o pescoço torto a pedir os meus lábios, o meu ego, a minha fala e o meu falo.
E você vai se submeter assim como eu
Com todo o prazer, também.
E deixaremos de viver: comer, banho, acordar, dormir, trabalhar, falar, comentar, obedecer.
Nós já sabemos o caminho, amor. Por que não seguimos?
Eu a engulo e você me engole. Pois eu já conheço o seu delicioso sabor de mulher.
Chega de vitamina C, Xenical e Viagra: nós só precisamos nos engolir.
Atirar as nossas roupas pela janela e desvendar o segredo do guardador de carros.
O segredo da antena circular.
O segredo da vendedora de bilhetes.
Da vendedora de chicletes.
Ah meu amor, só precisamos repetir este gesto exaustivamente até sentirmos este nosso roçar de objetos soar a última melodia das nossas vidas.
Pois o meu quarto já não tem mais chão e nem teto,
Apenas esta sua pele suada, respingando dúvidas e mais dúvidas.
E retratos da juventude a conversar com esta sua cabeça insaciável.
A minha identidade amarelecida, uma foto do Sebastião Salgado,
A pobreza maquiada ao alcance da minha mão de velho imbuído de tola compaixão.
E...
...de que adianta? De que? De que adianta dominar todas as técnicas poéticas? Todas? Adianta dominar? Dominar Dominar Dominar. De que? Todas elas? De que? De que adianta dominar todas as técnicas poéticas? Adianta? Dominar Dominar Dominar Dominar Dominar Dominar Dominar Dominar Dominar Dominar Dominar Dominar Dominar Dominar Dominar Dominar Dominar Dominar Dominar Dominar Dominar Dominar Dominar Dominar Dominar Dominar Dominar. De que adianta dominar todas as técnicas poéticas?
Se quem esta falando não é você,
É sua vaidade.
É a minha pura vaidade destilada e branca.
Já passa das três, a fome bate como tombo na sarjeta.
Eu, por vaidade, não vou comer.
Não quero.
A minha vontade tem de ser maior que a minha gula.
E será.
O cheiro do desodorante já demonstra as horas que passei escrevendo sobre mim.
Não posso mais falar sobre mim, senão estouro de vez.
E como mastigo fundo os órgãos do meu espírito.
Isto, funcionando como se o resto não importasse.
E talvez não importe mesmo.
Agora choro e me arrepio com a lágrima que escorre pelo meu rosto
Até, subitamente cair em minha mão direita.
Estou aliviado, a cada verso o meu passado parece fazer as pazes comigo.
Como se o meu inferno finalmente apagasse o seu fogo.
É o que realmente sinto: estar sendo inteiramente puro com o meu passado.
A raiva, assim como a solidão, sente um pesado sono
Em tardes como esta.
Irei limpar as minhas gavetas, faz tempo que não faço isto.
Meu quarto perdeu o rumo, o sentido.
Tudo espalhado e fedido como um verdadeiro chiqueiro.
Preciso espelhar a minha atual condição mental:
A de alguém que fez as pazes com o passado.
Não foi truque ou logro de qualquer espécie:
Aos poucos sinto conhecer o meu passado
E sinto como aprendo a entende-lo e principalmente,
Não julga-lo.
Hum...mas nada que você não me instigue.
Eu sei que passarei mais 48 horas escrevendo ininterruptamente,
Eu sei que o seriado 24 horas sairá do ar,
Eu sei que as noites e os dias pareceram iguais
E irretocáveis,
Eu sei que uma geração inteira ficará órfão do seriado 24 horas,
Meu corpo perderá o restante do seu viço,
O laivo de juventude que poderia subsistir em mim
Se perderá a cada clicada neste teclado cheio de dentes
A me mastigar a cada minuto, segundo ou coisa que o valha,
Pois já começo a sentir a presença dele...
...é isto mesmo a sua presença
que me incomoda.
A geração 24 horas cairá e, se eu não morrer, talvez me sinta menos idoso.
Ah, eu sei
eu só tenho a sensação que o meu passado mudou,
mas eu não sei de verdade, não tenho esta plena consciência,
coisa que me deixaria, sim, poderoso e menos vaidoso,
já que conviver com esta artificial vaidade que me toma,
me enforca a cada verso, a cada digitação, não me agrada,
me envelhece cada vez mais, a minha pele parece não aderir mais a minha carne
aos meus ossos, já que esta música, incessante e triunfal nada diz respeito ao meu passado.
Ele nunca mudará. Nunca.
O trato foi que eu conseguiria mudar o passado.
Ah, desgraçado.
Ah, só por que eu domino o tempo não quer dizer que eu conseguirei mudar o meu passado.
Então é isto?
Ora, por que tal tortura?
Estilete, gilete, navalha, bisturi, de que mais você precisa?
Vai me dizer que você precisa de versos?
Só tenho que rir de você, a me perscrutar com estes olhos vermelhos e chapados de demônio arrependido.
Ainda não sei como o chamar, ser ansioso.
Seria pelo nome mais abjeto? Satã, é você a me acariciar o dorso?
Eu conheço as suas mentiras de moleque,
O seu papo, a sua lentidão de fala, de boca e de língua.
Pois eu o odeio e não perdôo os seus atos.
A sua enganação
A sua maquiagem borrada.
Tenho 70 anos
E talvez hoje,
Falar meu nome seja o meu maior verso.
Acredito que a multiplicação de mariposas no meu lar
Seja as palmas que eu esperava de Deus ou de algo que me espera chegar.
Mas vejo, Diabo, que você me fez a melhor proposta.
Se eu conseguir conter o tempo com um poemaTerei o maior prazer de mudar o que eu quiser no meu passado.
I
O dia em que o Diabo fez uma proposta a um velho Lingüista.
O meu quarto de brinquedos.
Livros de cores diversas contrastam
Com montanhas de xerox.
Nada melhor para digitar do que ler.
Entrar em ritmo.
Mentir para si mesmo.
O coração em banho-maria me viu dormir
E agora sabe dos meus truques de escrever.
Da sacada,
Olho para os prédios:
O céu agora é uma peça de encaixar.
Tolice!
A madrugada em minha casa tornou-se uma velha.
Nada se completa.
Abro a geladeira e as suas mechas geladas também são idosas.
Olhar para o iogurte que será tomado
é olhar para as próprias estruturas movediças do interior do corpo.
Adeus cigarros,
Adeus cafezinhos de fim de tarde,
Adeus chope com os amigos,
Adeus madrugadas não dormidas:
O meu conteúdo está inteiro minado pelos costumes.
Ainda tento entender a minha vaidade de escrever um poema que contenha o tempo.
Uma vaidade sim! Isto pouco tem a ver com o meu passado.
Babo todo tempo do mundo no pasto mal cheiroso do meu passado.
E que se dane!
Meu organismo apenas processa a pastosa e fácil massa de resíduos,
Ditos saudáveis pelas revistas semanais
De inutilidades. E que se dane!
Ponho-me a caminhar pelo baixo batel e descortino anos de impertinência.
Nada passou batido nesta máquina de fotos:
Poses, trocadilhos e nomes,
Pousaram os braços em minhas letras.
E eu solto o latido neste final de voz.
Não economizo as cordas vocais.
Mando tudo para todos os lugares e
Me acostumo a indecisão do todo.
A vida não exporta a alegria aos outros seres.
Se é ser,
que se faça por si mesmo.
Nada parece adiantar a falta de viço que as articulações impõem a necessidade de lembrar (ou de não lembrar de nada).
É velhaca a luz que nos dá a liberdade de escolha.
Ela existe para enfeitar paisagens e buracos
Os buracos que formamos no decorrer da vida.
Buracos como os outros idênticos e pasteurizados buracos que a vida nos impõe.
Alçapões enferrujados usados para pegar a nós mesmos
Na esperança de se obter um pedaço da alma
Para se experimentar antes da manhã seguinte.
Engraçado me lembrar agora destes jantares.
Na lembrança do meu jantar de formatura,
até os cristais me parecem familiares e quebradiços.
Podem quebrar ao menor grito ou manifestação de agora.
É o que acontece. Que se dane o rosto inteiramente cortado.
Talhado com a compostura que uma farsa destas merece.
O que me deixa encantado é a beleza da descompostura
que um copo cica me provocava.
Encantava-me a descompostura que a aurora recebia os meus.
E eu admirava a sonoridade da panela de pressão.
O que na manhã era maravilhoso era ler o jornal e desmaterializá-lo em função da imagem humana.
Hoje, vejo exaustivamente televisão na tentativa de me tele-transportar a um tempo que já não é mais o meu.
O que de fato fica,
são estes entalhes de fanfarrice que a vida nos permite.
Deixo o tempo brincar com as incrustações de suas páginas-pele.
E me descubro um bloco de notas amarelo.
Cada nota uma ruga sutil
A reverberar a existência
Ou a falta dela.
O que guardar nestas velhas caixas?
Por que não desarrumei a mudança?
Ainda meus documentos pesam nestes compartimentos imunes a qualquer culpa.
A minha culpa,
A culpa que eu insisto em ter e reter no passar de capítulos.
A forma barroca de controlar tudo isto
Está nas manchas que a minha mão ostenta como troféu de uma velhice
Quase acabada.
É como uma corrida no deserto
Onde multidões de grãos de areia
Acompanham as formas de existir, inexistir e desistir.
O que me importa agora as oposições?
Se mais uma vez a vida me faz falta.
A minha vida se comporta como um pai que
É sempre uma lacuna
Por trocar os seus
pelas viagens.
Um copo de água,
Um copo de canetas,
Um copo de solidão agora desaba as lágrimas
Que há tempos eram entornadas para dentro.
Transbordar é a face feliz de um rio.
Sou um rio que corre relativamente satisfeito com o que foi realizado.
Um rio morno e limpo por que esquecido.
Depender da metáfora
Foi o meu maior erro.
Muitas vezes
Viver sem em nada pensar
é uma maneira prática de apagar os erros.
Seria idiotice me confundir com um destes velhos móveis?
A minha consciência esta completamente mofada.
Já estou automatizado, mesmo aqui escrevendo este poema,
Que é na verdade uma charla mal construída. Logo você se tocará do tempo que perdeu! Pois este poema contém, pelo menos, o seu tempo perdido.
E isto é um entidade.
Ser uma entidade já não parece um júbilo,
Mas uma sangria de velhas imagens reutilizadas.
Eu me reutilizo na preguiça do existir.
Faço as mãos darem as mãos às minhas mãos.
Troco o andar pelo andor da tarde.
Desperto o vegetal em mim.
O vegetal que sempre pousou leve em mim.
E se eu morresse mais cedo?
Se eu dependesse do antes da minha carência?
Este descontrole me envolve
E descubro que a perda do senso
Revigora a vontade de existir.
A luz do dia não soa ao cair da tarde das almas.
Como é perder a alma?
Pois eu conto a você como é deter uma alma.
Matar dá esta impressão.
A impressão do nada como um objeto.
O nada como um sabor.
O nada como o quente e frio.
O nada com braços e pernas: a morte.
Há de se ter olhos suficientes para ver todas as mortes andarem.
Todas as mortes se cumprimentarem.
O meu livro de recortes de jornal me acalenta em insônias como estas.
Remonto o dia com as notícias que quero.
Sou ranzinza, preciso deste mimo.
Este sufoco que eu impus a minha respiração.
Quero a paz do afogado
Que finalmente fez parte do mar.
Quero fazer parte de algo e descansar.
Dormir.
A mãe abre a porta
Para conferir se o filho já chegou
Existo por alguns segundos
Por um fiapo de admiração
Será fácil perceber
Que estou morrendo?
Ligo a televisão.
Em todos os lugares eu ligo a televisão.
Nos bares e lanchonetes,
Nas feiras de artesanatos,
No aeroporto internacional,
Antes de dormir
Eu ligo a televisão e dou boa noite a minha solidão.
Não é a toa que este dia rime com solidão,
Pois ainda lembro de você quando sem querer
A novela liga a televisão do fim de meus dias.
E quantas tardes desperdiçadas com tratados e coisas mortas.
Não é necessário falar meu bem,
Eu ainda durmo com a falta de seu calor em minha cama e com o som da televisão ligada.
A oposição que sinto crescer nestes horários:
A minha vida e a sua morte.
É a fabula que tento reproduzir nas beiradas do crepúsculo, esta esperança de um ontem que não acontecerá. E tudo isto por que eu a amo. Amo todas as nossas coisas e amo morrer em paz para a encontrar a sós.
Nada mais justo do que o tempo me dar a mão.
Caminhemos nesta ciranda, amor.
Já é chegada a hora do tempo desinteressar.
Na rua de baixo já sou uma sombra idosa.
Invento uma bela velhice para demonstrar em meu quarto.
Nada do que havia escrito, nada do que havia falado cabe nestas lacunas de pele.
Sobre as moedas do troco eu me jogo e esbravejo: um gole desta xícara de nada.
E tomo, engulo o nada como chumbo em calda.
Sobrevivo como um piolho-de-cobra a deriva no assoalho do pensamento mortal.
O que quer que eu dirija?
Um carro, uma moto, a filosofia inteira?
É distribuir beijos na chuva esta poesia
É catar pingos de lua esta poesia
É envelhecer com os pregos esta poesia
É ser a ferrugem esta poesia
É sobrar no alto dos restos solares esta poesia
É embebedar as estrelas esta poesia
É confessar a morte já anunciada esta poesia
É perceber que nada atrapalha o fluxo de tudo existir nesta poesia.
Ah, noites de curvas imperfeitas e sábios beberrões
Ah, claridade de vento do ventilador de teto
Ah, média requentada na barriga do velho esclerosado
Ah, multidão de sem-tetos que batem a minha porta, que infestam a minha rua.
Eu estou completamente tomado pela cafeína, cocaína, nicotina, pela tinta de qualquer vício.
Me iluda mais um pouco, leitor imaginário.
Pois sou esta sombra que baila de parque à parque
Destilando o seu incomodo
Acumulando desgosto e alterando o fluxo deste adubo de vida.
Sou eu que faço você sorrir do desgosto do mendigo.
E eu gosto do gosto de todos os gostos amargos
E eu já acostumei a língua a esta ilha de flores encarniçadas
Boto o chapéu e saio a procura da amada.
Quem não teve a amada, quem não a possuiu?
Vem cá que eu o conto como é o gosto de pele e o mostro o porquê do amargo.
É esta cidade que eu vejo do alto.
Combustão de carros e cores, ferrolhos abertos, campainhas em surto frenético de rebeldia, os tímpanos pegando o fogo de prometeu, os tímpanos deitados em fogos de musas esquecidas, loucas, Cassandras perdidas no asfalto deste pensamento senil e ardiloso, um ranço de bebida falsificada, uma corisa incandescente, os lábios tortos de chicletes, balas, doces, desinfetantes bucais, água boricada, chacina em massa dos senhores da morte, dos meus companheiros Mortes.
Limpo estas intenções com o pano das pálpebras e a vejo, ainda com vinte anos, lambendo as carnes da ampla carne do tempo, pois eu ainda a tenho, e a venero, e a condeno a ser minha, como minha é esta poesia que já é das coisas, do mundo, do universo e das pessoas, dos animais invertebrados e vertebrados, pois eu te amo e é de todo ser humano provar certas coisas no cemitério, em qualquer enterro, em qualquer velório, sou esta carpideira de língua absorta e nojenta e asquerosa, pois eu não a tenho e não há outra forma de não anunciar a minha velhice escrota, esta caminhada louca para o nada, pois me resta pouco e pouco é o que alimenta as vértebras, a falta de osteoporose, a renite alérgica, a desculpa esfarrapada, a vergonha de não ter absolutamente nada a dizer diante do mar, diante de um espirro de Deus, frente à oposição que me faz o que sou, frente ao que me faz dizer “não me deixe sozinho, amor, não me deixe”.
A balança anuncia: cento e poucos quilos.
A minha alma era tão magra, seus cachos espaçosos.
Tive a coragem de chorar e de não chorar quando necessário.
Vê esta ferida debaixo dos olhos?
É uma das lágrimas que secou solitária, porém fescenina.
Não criei meninas em meu peito, soprei cabelos de mulheres,
Soprei verdadeiras feridas.
A varanda abre seus braços, me larga na respiração do mundo e ainda assim espero respirar o perfume de uma flor suburbana de quintal.
Um desejo derradeiro, talvez.
A minha frenologia do frenético:
Grito e assalto o eco das equações impossíveis,
De tudo o que não irei descobrir,
Pois a vida é também este render-se no rendez-vouz do infinito descobrir.
Acabou e vou dormir e nada mais de descobrir, descortinar, desbraguilhar, desatarrachar, desenfrear, desarmar.
Não se contenta em apenas existir, velho chato?
Não! Milhões de vezes Não! Gosto de negar; negar me dá poder de me afirmar frente à estes idiotas sem consciência e dor.
Não, pois tenho a minha dor que sei muito bem como cultivar.
Quer simplesmente vomitar o passado para fora?
Ter as idéias depositadas em cada célula do corpo?
Ser o mestre Yoda de todas as gerações
Que não sabem ainda a que ponto um ego pode inflar?
Neste caso,
nado com os gregos rumo a alguma guerra;
O destino é um inimigo visceral,
Não me rendo a Guerra nas Estrelas,
Remonto a Ilíada.
não se engane com esta certezinha de dor que você já tem.
O destino é um vírus que o mata sem saber por quê.
Envelheça.
Envelheça de uma vez.
Mas ainda me vejo,
doido e nu pelas ruas da cidade que sempre me desprezou.
Eu gosto do desprezo como quem gosta de mosquitos a rodar por uma suculenta bolsa de sangue noite afora.
Por que eu mesmo agora rezo para que me ataquem as moscas e as pessoas com suas asas pegajosas.
Eu não desprezo mais a dor, eu a quero.
Gostosa e fogosa pela minha pele enrugada e muito pouco saudável.
Pois sou mesmo esta língua a corrompê-la pelos vãos destas sarjetas de mulher.
Sou mesmo estas notas que Bach destila com uma sabedoria de messias.
Sou mesmo este sol que ofusca a mente em dias de eclipse.
Venha galopar neste louco alucinado que sonha com garrafadas e mais garrafadas de ejaculação sobre a sua face sem dor e arrependimentos.
Pois você é a dor.
Pois é assim que gozarei a parte final da minha desastrosa comédia romântica.
Gozando na sua boca, nos seus pensamentos, na sua falta de dor, de remendas e band-aids.
Venha dor,
Vamos macular o que sempre sonhamos macular, querida dor.
Vamos acordar este ódio que há tanto tempo ficou reprimido na sala 1 dos nossos corpos chamada “sociedade”.
E vamos sim beber até arrotarmos o arrependimento de Deus.
Vamos nos espalhar feito praga a influenciar jovens e crianças.
Vamos chamar a polícia sem motivo algum,
o hospício, o inferno, todos os infernos...
...ahahahahahah, mas de que me adianta isto agora,
Sou uma figura deplorável mesmo.
Anos e mais anos escrevendo sonetos e agora
Do nada
Querendo dar uma de libertário contemporâneo.
Só faltava eu estar escrevendo esta porcaria em inglês.
Ah, universidade, com seus nefelibatas de pensamentos pré-fabricados,
Ah, positivismo de gaveta, máscara fútil de ideal capitalista.
Ah, o dinheiro e o seu cheiro de buceta lavada.
Ah, o licor de tudo que é pago.
Ah, a minha vida que quer ser paga em três vezes se possível para demorar mais.
Ah, caça-niqueis chamado amor.
Engulo quantas balas halls for preciso, amor, e desativo todas as senhas que o corpo possui para te ter.
E venerarei todas as pedras que combinam com os seu signo, seu rosto, seu dia, seu eu.
Pois debaixo da cama ainda sobra um pouco de ego,
Em segundos deflagramos este maravilhoso chaveiro-ego
E nos adoramos até dizer chega e trepamos de lado, você rebolando feito uma louca atrevida e completamente depravada, com o pescoço torto a pedir os meus lábios, o meu ego, a minha fala e o meu falo.
E você vai se submeter assim como eu
Com todo o prazer, também.
E deixaremos de viver: comer, banho, acordar, dormir, trabalhar, falar, comentar, obedecer.
Nós já sabemos o caminho, amor. Por que não seguimos?
Eu a engulo e você me engole. Pois eu já conheço o seu delicioso sabor de mulher.
Chega de vitamina C, Xenical e Viagra: nós só precisamos nos engolir.
Atirar as nossas roupas pela janela e desvendar o segredo do guardador de carros.
O segredo da antena circular.
O segredo da vendedora de bilhetes.
Da vendedora de chicletes.
Ah meu amor, só precisamos repetir este gesto exaustivamente até sentirmos este nosso roçar de objetos soar a última melodia das nossas vidas.
Pois o meu quarto já não tem mais chão e nem teto,
Apenas esta sua pele suada, respingando dúvidas e mais dúvidas.
E retratos da juventude a conversar com esta sua cabeça insaciável.
A minha identidade amarelecida, uma foto do Sebastião Salgado,
A pobreza maquiada ao alcance da minha mão de velho imbuído de tola compaixão.
E...
...de que adianta? De que? De que adianta dominar todas as técnicas poéticas? Todas? Adianta dominar? Dominar Dominar Dominar. De que? Todas elas? De que? De que adianta dominar todas as técnicas poéticas? Adianta? Dominar Dominar Dominar Dominar Dominar Dominar Dominar Dominar Dominar Dominar Dominar Dominar Dominar Dominar Dominar Dominar Dominar Dominar Dominar Dominar Dominar Dominar Dominar Dominar Dominar Dominar Dominar. De que adianta dominar todas as técnicas poéticas?
Se quem esta falando não é você,
É sua vaidade.
É a minha pura vaidade destilada e branca.
Já passa das três, a fome bate como tombo na sarjeta.
Eu, por vaidade, não vou comer.
Não quero.
A minha vontade tem de ser maior que a minha gula.
E será.
O cheiro do desodorante já demonstra as horas que passei escrevendo sobre mim.
Não posso mais falar sobre mim, senão estouro de vez.
E como mastigo fundo os órgãos do meu espírito.
Isto, funcionando como se o resto não importasse.
E talvez não importe mesmo.
Agora choro e me arrepio com a lágrima que escorre pelo meu rosto
Até, subitamente cair em minha mão direita.
Estou aliviado, a cada verso o meu passado parece fazer as pazes comigo.
Como se o meu inferno finalmente apagasse o seu fogo.
É o que realmente sinto: estar sendo inteiramente puro com o meu passado.
A raiva, assim como a solidão, sente um pesado sono
Em tardes como esta.
Irei limpar as minhas gavetas, faz tempo que não faço isto.
Meu quarto perdeu o rumo, o sentido.
Tudo espalhado e fedido como um verdadeiro chiqueiro.
Preciso espelhar a minha atual condição mental:
A de alguém que fez as pazes com o passado.
Não foi truque ou logro de qualquer espécie:
Aos poucos sinto conhecer o meu passado
E sinto como aprendo a entende-lo e principalmente,
Não julga-lo.
Hum...mas nada que você não me instigue.
Eu sei que passarei mais 48 horas escrevendo ininterruptamente,
Eu sei que o seriado 24 horas sairá do ar,
Eu sei que as noites e os dias pareceram iguais
E irretocáveis,
Eu sei que uma geração inteira ficará órfão do seriado 24 horas,
Meu corpo perderá o restante do seu viço,
O laivo de juventude que poderia subsistir em mim
Se perderá a cada clicada neste teclado cheio de dentes
A me mastigar a cada minuto, segundo ou coisa que o valha,
Pois já começo a sentir a presença dele...
...é isto mesmo a sua presença
que me incomoda.
A geração 24 horas cairá e, se eu não morrer, talvez me sinta menos idoso.
Ah, eu sei
eu só tenho a sensação que o meu passado mudou,
mas eu não sei de verdade, não tenho esta plena consciência,
coisa que me deixaria, sim, poderoso e menos vaidoso,
já que conviver com esta artificial vaidade que me toma,
me enforca a cada verso, a cada digitação, não me agrada,
me envelhece cada vez mais, a minha pele parece não aderir mais a minha carne
aos meus ossos, já que esta música, incessante e triunfal nada diz respeito ao meu passado.
Ele nunca mudará. Nunca.
O trato foi que eu conseguiria mudar o passado.
Ah, desgraçado.
Ah, só por que eu domino o tempo não quer dizer que eu conseguirei mudar o meu passado.
Então é isto?
Ora, por que tal tortura?
Estilete, gilete, navalha, bisturi, de que mais você precisa?
Vai me dizer que você precisa de versos?
Só tenho que rir de você, a me perscrutar com estes olhos vermelhos e chapados de demônio arrependido.
Ainda não sei como o chamar, ser ansioso.
Seria pelo nome mais abjeto? Satã, é você a me acariciar o dorso?
Eu conheço as suas mentiras de moleque,
O seu papo, a sua lentidão de fala, de boca e de língua.
Pois eu o odeio e não perdôo os seus atos.
A sua enganação
A sua maquiagem borrada.
Tenho 70 anos
E talvez hoje,
Falar meu nome seja o meu maior verso.
Acredito que a multiplicação de mariposas no meu lar
Seja as palmas que eu esperava de Deus ou de algo que me espera chegar.
Mas vejo, Diabo, que você me fez a melhor proposta.
Se eu conseguir conter o tempo com um poemaTerei o maior prazer de mudar o que eu quiser no meu passado.
Ao pegar como ponto de partida o tema da solidão, o poeta e compositor Alexandre França tece, em seu primeiro CD de canções, um painel da vida noturna, desde os seus personagens mais célebres, como a prostituta e o músico de bar (retratados nas músicas “Neurótico cantor de boteco” e “Ela”), até os seus coadjuvantes, como os estudantes universitários descritos na música “Reitoria”.
Com um estilo ácido e direto de escrever letras, Alexandre não perdoa os defeitos e manias de seus personagens, que acabam, através de um antilirismo, adquirindo contornos humanos bem próximos à realidade. Inspirado em compositores que vão de Lupicínio Rodrigues a Arrigo Barnabé, este cd é uma releitura contemporânea do tema “noite”, que foi tão recorrente na mpb do passado, e que hoje está praticamente esquecido.
Os arranjos do cd foram confeccionados para, no total, doze instrumentistas - dos sopros (trompete, trombone, clarinete, clarone), passando pelos instrumentos de base (bateria, percussão, piano, baixo, guitarra), até as cordas (violino, viola, violoncelo) - formando assim uma ampla gama de possibilidades e “cenas” sonoras, dando ainda uma cara orquestral para o trabalho.
“A solidão não mata, dá a idéia” conta com a produção musical e com os arranjos de Gilson Fukushima, guitarrista do Grupo Fato (um dos grupos mais importantes da cidade) e também com a participação de músicos de renome internacional, como Endrigo Bettega, Sérgio Albach, Sérgio Justen e Guilherme Romanelli. Há também a participação especial da atriz Claudete Pereira Jorge declamando um poema do autor.
sábado, outubro 07, 2006
Parceria nova
O Leprevost, o Troy e o Ivan Justen que se cuidem, pois arrumei um novo parceiro de canções: o Guilherme Diniz, mais conhecido como Diniz na noite curitibana. Só pra vocês sentirem o aroma da perpétua...
Dançando na chuva
você fugiu pelo tubo do expresso
te persegui com a caloi cross
era dia de jogo, eu gritava
você fingia não ouvir minha voz
de repente garoava no asfalto
e derrapava aqui dentro sua fuga
deixei de lado aquela bicicleta
me sentindo em "dançando na chuva"
cantava "sing in the rain" pras pessoas
ninguém entendia a minha arte
fui atropelado na hora do rush
às sete horas da tarde.
frança e diniz
O Leprevost, o Troy e o Ivan Justen que se cuidem, pois arrumei um novo parceiro de canções: o Guilherme Diniz, mais conhecido como Diniz na noite curitibana. Só pra vocês sentirem o aroma da perpétua...
Dançando na chuva
você fugiu pelo tubo do expresso
te persegui com a caloi cross
era dia de jogo, eu gritava
você fingia não ouvir minha voz
de repente garoava no asfalto
e derrapava aqui dentro sua fuga
deixei de lado aquela bicicleta
me sentindo em "dançando na chuva"
cantava "sing in the rain" pras pessoas
ninguém entendia a minha arte
fui atropelado na hora do rush
às sete horas da tarde.
frança e diniz
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