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quinta-feira, fevereiro 02, 2006

Poetas do Batel (nova versão com a participação de Luiz Felipe Leprevost)


Ponto Final, 4:30 da manhã. O ventilador de teto nos dizia "façam o mundo girar." E nós capotávamos o carro em toda fossa que encontrávamos no caminho. E gritávamos a nossa sacada genial de dentro do táxi para as gurias espremidas nas janelas dos ônibus Circular-Centro. Era um tempo em que passávamos três meses em Guaratuba ou Caiobá, de frente pra praia, sem fazer nada, achando que fazíamos o necessário. Não pegávamos o Interbairros I, apenas admirávamos aquele amontoado de estudantes do CEFET a suportar o frio no intervalo entre as aulas do curso de edificações e os próximos goles de cerveja na praça de alimentação do Estação Plaza. Comíamos no falecido Maionese Dogs, que morreu num racha de carro justamente quanto estava ficando rico e podia investir na sua paixão. Sim, nós éramos uns desses irresponsáveis que ficavam jogando truco nas mesas das panificadoras ao redor do Colégio Positivo no ano do Vestibular quando todos nossos conhecidos estudavam mais de cinco horas por dia pra passar em medicina na Federal. Não frequentávamos sem nossos irmãos mais velhos casas de show como o AeroAnta e o Coração Melão, nem bares sofisticados. No máximo conseguíamos nos transformar em habitues de zoninhas de família, tomando chá com a Dona Olga ou dividindo o cigarro Godan Garan com a Tia Fátima. Fora isso eram aquelas festinhas nos salões dos prédios em que meninas levavam doce ou salgados e meninos refrigerante, mas alguns traziam uma ou outra cerveja mocada na jaqueta e bebíamos e achávamos que aquilo que provocávamos podia ser considerado porrada e voltávamos pra casa à pé por três quarteirões com um puta cagaço de ter os bonés de times americanos roubados. Pobres alminhas sequer imaginávamos que em breve só frenquentaríamos, por opção, bares podres como o Gato Preto e o Kappelle, pra depois voltar à limpeza de querosene dos nossos quartos pintados de azul com posters da Disneylândia exatamente como fazíamos na época das festinhas. Era o lugar onde ficávamos sabendo das últimas fofocas da política do Lerner durante o almoço. Era onde nos chegavam os convites pros bailes de debutantes. E a gente trocou tudo isso pela vodka e pela certeza de que podemos voltar a qualquer momento tanto pra um lugar quanto pro outro, mas acontece que um deles já não nos reconhece mais. O ventilador de teto nos mandava "joguem merda e façam tudo girar." E então nós aprendemos a tomar uísque 12 anos com Red Bull na beira da piscina de asfalto da Avenida Batel congestionada feito um nariz nos domingos de tarde ao lado de caras inacreditáveis como o Tadeu e o Tatára. Eles eram típicos polacos da Barreirinha, caras que conheciam bem a Curitiba de antes da "Era Lerner". Foram malucos como esses que nos mostraram que continuando pela Av. Batel se chega num restaurante Bar Palácio. Foram malucos como esses que nos fizeram preferir o Bar Stuart aos escritórios bem decorados do Centro Cívico. Nós éramos os poetas do bairro dos prédios caros e fazíamos as coisas ficarem tontas no verão a passos de Sandálias Havaianas brancas que, pouco a pouco, entrariam na moda. No inverno era protegidos por pantufas, bom-bons e estufas que cometíamos nossos poemas de revolta. Talvez uma revolta fácil, na opinião de alguns, que achavam que víamos as coisas de um lugar privilegiado. Quem sabe a crítica seja fundamentada, mas acontece que nunca negamos nada, e entendemos desde cedo que a nossa poesia estaria próxima da vida. E a vida que nos interessava estava tanto nas putas viciadas da Saldanha Marinho quanto nas putas viciadas dos salões do Graciosa Country Club, estava tanto nas histórias dos polacos do Abranches quanto nos "manos" do Sítio Cercado. Tínhamos voracidade em conhecer a Colônia Rebouças e a Ilha do Mel. Queríamos conhecer tanto o vanerão em algum CTG em Campo Largo quanto beber champanhe na Muzik de Riad Omairi ou ainda pular as marchinhas da turma do Conservatório de MPB no pré-carnaval do Largo da Ordem. Porém sempre voltávamos ao Ponto Final, onde aprendíamos ser tristes com canções de Lupicínio Rodrigues. 7:30 AM. Eram manhãs vazias, e nós compreendíamos o quanto éramos amplos e angustiados. De volta pra casa escutávamos a Rádio Educativa como se a qualquer momento estivéssemos prestes a sofrer um acidente de carrro. Alguém roncava no banco traseiro, e ali estava nossa tão comentada vocação para o rock and roll. Mesmo assim a gente ouvia um som qualquer tradicional como Cartola ou Nelson Cavaquinho e pensava "putz, porque não conseguimos gostar do que é feito aqui, porque os de Curitiba a gente ouve uma só vez por curiosidade e enche o saco?" Acontece que isso era verdade só quando os caras tentavam imitar os cariocas, aí era uma merda mesmo. Estávamos cheios dessas referencias de compositores e poetas, que até admirávamos, mas que não nos diziam nada há muito tempo. No entanto, quando era música feita por caras como o Like, aí a gente ouvia sem parar e entendia que é possível ser curitibano pra caralho mesmo usando elementos da careta e batida musica brasileira. De repente a Avenida Sete de Setembro se iluminava com catarradas e bitucas de cigarro. Muitos dos geniais roqueiros da cidade foram criados em apartamentos de bairros como o Cabral, o Água Verde, o Champagnat e até mesmo o Batel, prédios com garagem coletiva, prédios onde as famosas bandinhas de garagem não tinham espaço pra nascer. Tudo começava a rodopiar com mais velocidade, como se estivéssemos eternamente saindo e entrando e voltando a sair e entrar na porta giratória do Banco Itaú. Agora existia uma nova cidade. A tradicional família Curitibana se desmantelava. Poderíamos abrir guerra: Nós, os curitibocas, contra os novíssimos curitibanos, aqueles que vieram junto com as Universidades, com as empresas de marketing, com a Cidade Industrial e as montadoras de carros. Agora éramos parte de uma cidade violenta e grande. Nos apegávamos cada vez mais em Dalton Trevisan pra não perder a memória, mas tudo o que conseguíamos era sentir aquela velha ardência no estômago. Agora não víamos mais o Batista de Pilar nem a Bia de Luna circulando pelos bares. Agora não havia mais bares. Tudo era muito funcional, dividido em subúrbios residenciais e zona central, onde tudo é limpo e rápido, onde se trabalha. E a gente? Talvez só quiséssemos que as coisas girassem na contramão. Por isso o nosso QG no Batel, por isso essa vontade de desparafusar um pouco esse lugar, apartamento por apartamento, com nosso jeito bonachão enquanto comíamos pizza aos domingos nas salas bem decoradas de nossas tias-avós. E claro que nunca saberíamos quem foi que ligou o exaustor. Ventilador de merda... O inverno éramos nós agora. No fundo só não queríamos passar calor.

Alexandre França e Luiz Felipe Leprevost

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