Ontem tive a oportunidade de assistir ao lançamento do cd da “
Confraria da Costa” no Jokers. Foi uma grande surpresa. Assim como acontece com outras bandas em Curitiba, como a “Copacabana Club”, a “
Confraria”, mesmo com um temporal dos infernos, contava com um séquito de fãs que entoava em coro grande parte das canções cantadas pelo carismático vocalista Ivan Halfon.
Com uma ironia e sarcasmo próprios de bandas dos anos 70 e 80 como “Os Mutantes” e tantas outras (“Joelho de Porco” ou “Premeditando o Breque”), a “
Confraria da Costa” investe numa temática própria (piratas em alto mar), com uma unidade e coerência de linguagem raras hoje no rock nacional. As roupas, o modo de se portar no palco, o chapéu do violinista Jan caído no rosto (lembrando uma espécie de “slash do violino”) e até mesmo o jeito de Ivan cantar (bem como suas caras e bocas) remetem à temática da pirataria, principalmente àquela praticada pelos ingleses entre os séculos XVI e XVIII, hoje romantizada por filmes como “Piratas do Caribe”.
Com um arsenal de influências bem dosadas à sonoridade do conjunto (sem parecer cópia, ou até mesmo retrô), que vão desde grupos mais recentes como o
Gogol Bordello (apelidado de “punk-rock-cigano”), passando pelas excentricidades musicais de um Frank Zappa, e pelo rigor instrumental de um Jethro Tull, até clássicos do underground norte-americano como
Tom Waits, a “Confraria da Costa” consegue verticalizar, através da galhofa e da ironia, o discurso de “pirataria” para além de uma liberdade romântica. Seu som meio celta-irlandês, faz, na verdade, uma crítica sarcástica ao nosso tempo.
Por exemplo, a canção que abre o trabalho,“Homo Tudo Sapiens”, brinca com o excesso de nomenclaturas utilizadas pela ciência para a classificação dos elementos do mundo. “Depois de amanhã vai chover/ e não há nada que homo não sapiens/ não há nada que homo não sapiens responder”. Para a ciência, tudo é classificável, e para a “
Confraria da Costa” este é um fato no mínimo curioso: até que ponto sabemos tanto quanto a ciência prega que sabemos? Com certeza, um comentário que passa longe da já batida questão sobre os limites da ciência.
Em “Certamente a mente mente” (um dos hits da “
Confraria”) o grupo nos dá a dimensão da potência de significados que um simples jogo de palavras pode proporcionar. Provavelmente influenciada pelo escritor
Paulo Leminski, mas tirada, é claro, do mote “o poeta é um fingidor” de Fernando Pessoa, onde o poeta extrai a poesia de dentro da palavra, esta canção encanta pela malandragem do refrão (“certamente a mente mente tanto mente que nem sente a semente que plantou”) cantada em coro no cd com vozes guturais pelos integrantes da banda.
“És cadavérico”, em clima de barco em alto mar, fala sobre a modorrenta rotina dos seres-humanos “neste mundo clorofórmico em que vives (...)”. Já em “À Deriva” (irônica ao extremo), percebemos uma alfinetada niilista na imobilidade latente nos homens, “quem te deixou neste barco à deriva, sabia nada de navegação”. “Confidencial” e “Réquiem”, claramente influenciadas por
Tom Waits, nos mostra um indivíduo que precisa se livrar de suas coisas, seus objetos, seu universo material, para tentar se entender com o mundo e consigo mesmo. “Por que hoje eu descobri o que é a vida/ mas agora não há mais como contar”. Que banda hoje possui este calibre poético? Esta visão de mundo tão apurada e específica?
Enfim, poderia falar muito mais das canções da “
Confraria da Costa”. Eles dão muito o que falar (mas como dizem por aí, blog é rapidez). Só espero que a multidão de fãs, que eu encontrei ontem lá no Jokers (dá qual já faço parte), aumente cada vez mais. Para que lá no Rio ou em São Paulo possamos finalmente bater no peito com orgulho e dizer “esta banda é de Curitiba, sabia?”