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sexta-feira, outubro 29, 2004

Para a formação do casal

Cada janela é um olho que abre apenas quando precisa de luz. Os joelhos dos altares dobram as nossas preces. As cortinas abraçam o ar para desembaraçar memórias. Nada melhor do que estalar lembranças em dias de chuva. Ouço o formigueiro de letras a desatar extravagâncias nos ouvidos. Considero todo casal de sílabas que o dia nos devota a cada minuto. Tomei um banho de poesia ao visitar a sua casa e hoje, especialmente, não precisarei da palavra.

Não precisar da palavra é uma esperança para aqueles que ainda não aprenderam a criar flores.

quinta-feira, outubro 28, 2004

queria a sensação de poema acabado todos os dias, toda hora, todo instante.
pronta para ouvir?

Como se você não soubesse, que há anos eu procuro um atalho em você. E busco partes separadas de mim, um copo de uísque, três pedras de gelo, um trago. Como se você não soubesse, que detesto dar tchau. Prefiro que você me dispense calada, com a alma rouca de tanto gritar. Ocultando marcas, dando voz a outros pedaços do corpo. Como se você não soubesse, que eu me submeteria a falar “eu te amo” e não lutaria contra a sua vontade. Trairia a minha própria poesia. E ainda deslocado de toda a sua espinha, teria a certeza idosa deste mendigo que sou: esta minha sina, que por acaso não me sabia, foi a minha maior metáfora.

terça-feira, outubro 26, 2004

As vozes de “Cinco Marias”

Depois de um debate sobre transgressão na literatura, resolvi conversar com o poeta e jornalista gaúcho Fabrício Carpinejar sobre este negócio arriscado de se fazer poemas. De cara e na cara, Fabrício solta: “poesia é como briga de rua, se você não der o primeiro soco...”. Acredito que este fator “rua” se revele em “Cinco Marias” (Bertrand Brasil, 123 páginas, R$ 14,00 em média). Carpinejar, neste livro, está sempre a dar o primeiro soco. O leitor não escapa, afinal as vozes-poemas colocadas nestas páginas são tão tocantes como um hematoma que parece não sarar. Em um poema após o outro, uma nova faceta de mulher transborda em versos. As vozes, ali colocadas, aparentam ter atingido um alto relevo. Fabrício conseguiu a mágica de tornar tangíveis as vozes humanas.

O livro conta a trajetória da poetisa Maria de Fátima Ossian, que junto com suas quatro filhas, enterram o marido no quintal de casa acreditando enterrar a sua biblioteca. Partindo deste mote, a alma das “Marias” é colocada ao léu de questões voltadas ao universo da própria mulher, dos relacionamentos familiares e do choque entre o mundo masculino e feminino. O que fica é a luminosidade da sensibilidade feminina, entoada em “refrões” do tipo: “Os homens nunca vão entender”. Assim, é a partir da morte da “biblioteca”, que transparecem lembranças experimentadas intensamente, culminando com uma pedra em cima do “livro-memória” (o homem) que “não sobe com a água”.

Em “Cinco Marias” o poeta atingiu uma maturidade própria daqueles que já possuem uma larga experiência no ofício poético. Após ter lançado cinco títulos, Fabrício aperfeiçoou o seu modo de escrita ao deixar apenas o essencial. A sonoridade do verso fica a deriva da “idéia” poética. O que fica é um material mais orgânico, “limpo” do excesso de rimas e de extravagâncias espaciais na página. Para o leitor, o acesso ao cerne do que é dito fica muito mais fácil e direto. Ao ler “Cinco Marias” é notável a sensação de conversa que os poemas transmitem a todo instante.

Talvez por este motivo que, ao ler este livro, me senti como um manipulador de vozes. Cada voz, uma peça de um jogo de malabares, que ora estava ao alcance da mão, ora estava no ar, esperando a vez de ser agarrado, acariciado, protegido. Entre versos de tez robusta como “Diante do prado,/ardo imensa”, passando por rasteiras poéticas como “a vida recusa principiantes”, até versos quase aforísticos do tipo “a vida segue sendo a declaração do nada” ou “Fazer as coisas pela metade,/ é a minha maneira de termina-las”, o livro transcorre em um desequilíbrio emocional próximo ao de alguém que passou por uma tragédia. E ainda, como um malabarista amador, muitas vezes o leitor não tem a devida noção de qual voz-poema ele abarcará em sua mente. Isto é proposital, afinal são “as marias” que estão ali, ou seja, poderia ser qualquer mulher. Carpinejar usa, com propriedade, todo o seu cabedal de recursos poéticos para dar voz não só a uma mulher, mas “à mulher” (aqui colocada, quase, como uma entidade).

Apenas uma das vozes, de textura especial, transparece uma personalidade distinta, num imperativo doce (muitas vezes despretensioso), acalentador e ao mesmo tempo inquietante: trata-se da mãe das personagens. Ela (a “Maria-mãe”) dará, de certa maneira, o norte da narrativa poética (neste caso, propositalmente fragmentada) por ter uma presença fulminante em cada aparição. É como ouvir a voz da sua própria mãe e ter a sensação de que se esta obedecendo a alguma coisa. A engenhosidade do livro é clara e o fato das Marias enterrarem a biblioteca do “varão” (ao invés do corpo) dá a nítida noção do que o leitor tem ao alcance das mãos: um ventre feminino inteiro, pronto para ser explorado.

sábado, outubro 23, 2004

AVISO


Acabei o primeiro canto do meu extenso poema "Sutura". Logo registrarei e o colocarei no ar, aqui no Blues Curitibano.


obs: acabar este primeiro canto de dez páginas,
foi como um banho de mar
e a sua pretensão de lavar a alma.

quarta-feira, outubro 20, 2004

Luiz Felipe Leprevost...não suma!!! O povo daqui quer ter notícias suas. Mande um e-mail, uma carta, um sinal de fumaça.

terça-feira, outubro 19, 2004

"Laranja madura, na beira da estrada, tá bichada oh zé...oh, tem marimbondo no pé".

Que saudades de me apaixonar. Que saudades que eu tenho de ser brega em ocasiões oficiais. Que saudades de desobedecer a estética. Que saudades de não ler porra nenhuma. Que saudades de gostar do que eu escrevo. Que saudades de viver ao meu lado mesmo estando do lado de alguém.

sexta-feira, outubro 01, 2004

É estranho a natureza nos impor esta condição de acordar todos os dias. Hoje fiquei preso a uma xícara de café e a borra era a minha barba de franco envelhecimento. Na verdade, comprei a minha passagem para a ociosidade. Bem feito para mim e para os livros que serão lidos por mim. A minha prosa poética está crescendo como nunca. O rasgo que esta "sutura" está fazendo na minha rota diária é impressionante. É bom inventar recortes nesta grande sala de aula. À noite desfaço os nós das minhas secreções. À noite as coisas são encaixadas pelo desencaixe. À noite os fluídos do olhar incidem mais rasgos a serem suturados.

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